terça-feira, 31 de dezembro de 2013

ARMINIANOS, CALVINISTAS E A GRAÇA PREVENIENTE.





Há entre calvinistas e arminianos um acirrado  debate a respeito da "graça preveniente", porém pelas colocações de alguns membros dos dois grupos, a impressão é de que eles não se dispuseram a separar um determinado tempo para estudar e refletir sobre o parecer do criador do termo.  Não há até os dias atuais, algum cristão que tenha escrito, explanado ou debatido mais este tema que Agostinho, a quem muitos consideram como O DOUTOR DA GRAÇA.

A proposta deste artigo é mostrar a posição de Agostinho e do entendimento que o levou a elaborar as três noções da função da graça: 
A GRAÇA PREVENIENTE, A GRAÇA OPERATIVA E A GRAÇA COOPERATIVA. 
                                       
O texto bíblico " Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permanecer em mim e eu nele produz muito fruto, porque sem mim nada podeis fazer"  [ evangelho de João ] era um dos prediletos de Agostinho. As palavras grifadas no texto sintetizam o seu ponto de vista de que somos totalmente dependentes de Deus para nossa salvação, desde o começo até o fim da vida. Agostinho traçou uma diferença precisa entre as faculdades naturais humanas -- concedidas ao homem como dádiva natural-- e o dom adicional e especial da GRAÇA. Deus não nos abandona no lugar que naturalmente nos encontramos, incapacitados pelo pecado e incapazes de nos salvar, mas concede-nos a graça, para que possamos ser curados, perdoados e restaurados. Agostinho vê a natureza humana como algo frágil, corrompido, fraco, e que precisa do auxílio e do cuidado de Deus para que haja a restauração e a cura. 
Para Agostinho a "graça" é um favor generoso e totalmente imerecido que Deus concede à humanidade, por meio do qual esse processo de restauração pode ser iniciado. A natureza humana necessita ser transformada pela graça tão generosamente concedida. 
As características gerais da visão de Agostinho se tornam bem nítidas quando lemos uma passagem que está inserida em seu célebre documento antipelagiano escrito em 415 denominado DA NATUREZA E DA GRAÇA:


"A natureza humana foi, com certeza originalmente criada sem culpa, e sem pecado, mas essa natureza que cada um de nós agora herda de Adão precisa de um médico, pois está enferma. Tudo o que ela tem de bom, por meio de sua concepção, vida, sentidos e mente é proveniente de Deus, seu criador. Mas a deficiência  que ofusca e incapacita todas essas excelentes habilidades naturais, motivo pelo qual essa natureza precisa ser iluminada e restaurada, não tem origem no criador irrepreensível, mas no pecado original cometido através do livre arbítrio. Por essa razão nossa natureza culpada está sujeita a uma punição justa. Pois se agora somos nova criatura em Cristo, éramos, antes, filhos da ira, como todos os homens. Mas Deus, que é rico em misericórdia devido ao grande amor com que nos amou, mesmo quando estávamos mortos em nossos delitos e pecados, nos ressuscitou para a vida em Cristo, por meio de cuja graça somos salvos. Mas essa graça de Cristo, sem a qual nem as crianças, nem os adultos podem ser salvos, não é concedida como recompensa por méritos próprios, mas é gratuitamente doada e, por esse motivo é chamada GRAÇA".


Agostinho entendia a graça como a verdadeira e redentora presença divina em Cristo que atua dentro de nós, transformando-nos; portanto, ela é algo interno e ativo. 
Como foi colocado anteriormente: --'a humanidade foi criada originalmente boa'-- mas, depois ela abandonou Deus, o qual em um gesto de graça resgatou-a desse dilema. DEUS nos socorre, quando nos cura, ilumina, revigora e continua a operar em nós para nossa própria restauração. A humanidade é justificada por um ato de graça, e mesmo as boas ações são resultado da ação de Deus no interior da natureza pecadora do homem.
Em sua essência, o termo GRAÇA apresenta uma ligação com a idéia de presente, e essa idéia teve início com Agostinho ao destacar a noção de que a salvação é um presente de Deus e não uma recompensa.
Agostinho explorou a natureza da graça por meio de várias imagens e analogias.
 Neste artigo daremos como exemplo a analogia da BALANÇA DE DOIS PRATOS, onde um dos pratos é utilizado para pesar o BEM, e o outro para pesar o MAL. Se os dois pratos estiverem em equilíbrio, os prós favoráveis, tanto ao BEM, quanto ao MAL podem ser pesados, e chegar-se a uma conclusão. A analogia desse exemplo com o LIVRE ARBÍTRIO é óbvia: 'se pesa os argumentos favoráveis ao BEM e ao MAL, e as pessoas agirão conforme o resultado'. 
Aí Agostinho faz uma pergunta: De que forma fazer se os pratos estiverem cheios, e alguém puser um peso excessivo no prato do MAL? 
A balança continuaria a funcionar, mas ela irá se inclinar totalmente para o lado do MAL. 
Conforme Agostinho, isso foi  exatamente o que aconteceu à humanidade por meio do pecado, ou seja, o LIVRE ARBÍTRIO inclinou-se para o lado do MAL, e a partir daí o homem passou a escolher sempre aquilo que é contrário ao BEM, o que é contrário a Deus. O LIVRE ARBÍTRIO continuou existindo, porém totalmente corrompido pelo pecado, e sempre inclinado para o lado do MAL.
Agostinho entendia a GRAÇA como uma força libertadora, que livra a natureza humana da escravidão do pecado a que está sujeita. Ele usou o termo LIVRE ARBÍTRIO CATIVO [liberum arbitrium captivatum] para descrever o LIVRE ARBÍTRIO que é tão fortemente influenciado pelo pecado, assim como argumentou que a GRAÇA é capaz de libertar o desejo humano de suas inclinações e conceder ao homem o LIVRE ARBÍTRIO LIBERTO [liberum arbitrium liberatum].
 Os pesos que sobrecarregam o prato da balança fazendo-o se inclinar para o MAL, são removidos pela GRAÇA possibilitando que possamos reconhecer em toda sua plenitude, o peso da decisão de escolher a Deus. Ao remover os pesos que inclinam o prato da balança para o mal, a GRAÇA faz com que o prato se incline para o BEM, e escolha Deus, ou seja, a GRAÇA não elimina o LIVRE ARBÍTRIO do ser humano, mas em realidade torna possível sua existência, só que agora inclinado para o BEM.
Foi alicerçado neste entendimento que Agostinho então elaborou, -- como foi colocado no início deste -- as três noções essenciais da função da GRAÇA:
1- GRAÇA PREVENIENTE :  O termo latino "preveniens" significa literalmente "vir à frente". Ao falar de GRAÇA PREVENIENTE, Agostinho está defendendo a posição característica de que a GRAÇA de Deus atua na vida do ser humano antes mesmo da conversão. A GRAÇA "vem à frente" da humanidade preparando a vontade humana para a conversão. Ele destaca o fato de que a GRAÇA não se torna operante na vida de uma pessoa, apenas após sua conversão. O processo que leva à conversão é um processo preparatório, no qual a GRAÇA PREVENIENTE de Deus está ativa. 
2- GRAÇA OPERATIVA: Agostinho dá ênfase ao aspecto de que Deus opera na vida dos pecadores, sem que haja a menor participação deles. A conversão é um processo puramente divino, no qual Deus age sobre o pecador. O termo GRAÇA OPERATIVA é usado como uma referência ao modo pelo qual a GRAÇA PREVENIENTE não depende da cooperação do homem para produzir seus efeitos.
3- GRAÇA COOPERATIVA: Após ter alcançado a conversão do pecador, Deus colabora com a renovada disposição do ser humano, no sentido deste conseguir se transformar, e crescer em santidade. Deus agora coopera com a vontade liberta, já que a natureza humana foi libertada do jugo do pecado.
Agostinho, portanto, usa o termo GRAÇA COOPERATIVA para se referir à maneira pela qual a GRAÇA atua na natureza humana após a conversão. 

CONCLUSÃO: Para Agostinho não existe "tipos de GRAÇA", mas uma única GRAÇA que atua em sequência exercendo três funções distintas, totalmente alheias à participação do indivíduo na qual ela está atuando, não existindo nada que possa detê-la.

FONTE:
TEOLOGIA SISTEMÁTICA, HISTÓRICA E FILOSÓFICA DE Alister McGrath.
Alister McGrath
é presidente do Oxford Centre for Evangelism and Apologetics [Centro para Evangelismo e Apologética em Oxford] e professor de Teologia Histórica na Universidade de Oxford. É autor de muitos livros, entre os quais Apologética Pura e Simples, publicado por Edições Vida Nova, que publicará também as seguintes obras: Manual de doutrinas da Fé Cristã, em parceria com J. I. Packer, The Genesis of Doctrine [A Gênese da Doutrina] e The Open Secret [O Segredo Desvendado].


  

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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

AGOSTINHO E O MATRIMÔNIO!


Ao fazer a exegese de 1Tessalonicensses capítulo 4, tendo como foco as palavras que na atualidade compõe os versos 4 e 5, os pelagianos entendiam  que o "bem do casamento fosse o mal da concupiscência, pela qual se amam os esposos que desconhecem a Deus, um procedimento proibido pela Bíblia através do apóstolo Paulo", argumentavam que o casamento era um mal, e não era obra de Deus o ser humano gerado nesta relação. 
Diante desta argumentação, Agostinho fez uma pormenorizada e longa refutação, cujo teor está retratada em "O PECADO ORIGINAL, do capítulo XXXIII ao XXXVIII, contido no livro A GRAÇA DE CRISTO E O PECADO ORIGINAL.
 A pormenorização da refutação nos oferece não só uma excelente exposição sobre o casamento, mas também sobre a sensualidade e a sexualidade  nele envolvida.

PRIMEIRA PARTE
Para que haja uma facilidade maior na leitura e no entendimento dividimos o texto em duas partes, três capítulos em cada um.
Nos capítulos XXXIII, XXXIV, e XXXV, Agostinho responde a argumentação dos pelagianos mostrando a bondade da natureza e maldade do pecado. Também mostra que as obras de Deus são sempre boas, mesmo que os intermediários sejam maus, e afirma que o matrimônio existia antes do pecado sem as consequencias da sensualidade.

Agostinho diz: "O bem do matrimônio é a castidade conjugal, pela qual a sensualidade se restringe ao bom uso regular da procriação de filhos, e pode ser obra de Deus, tanto o ser humano procriado no casamento como o fruto da fornicação e do adultério. Mas nesta questão, onde se indaga não aquilo que necessita de criador, mas de salvador, não há de se considerar o que há de bom na procriação de uma natureza, mas o que há de mau no pecado, que certamente contamina a natureza. Ambos, natureza e pecado da natureza, se propagam juntos, mas enquanto a natureza é um bem, o pecado da natureza é um mal. 
A natureza se recebe da liberalidade de Deus, já o pecado da natureza provém da condenação da origem. A natureza tem por causa a vontade do Deus Supremo, o pecado da natureza procede da vontade depravada do primeiro homem. A natureza indica Deus como formador da criatura; o pecado da natureza indica Deus como castigador da desobediência. Finalmente, o mesmo e próprio Cristo para curar a natureza é o autor do homem, e para curar o pecado da natureza fez-se homem.
Portanto, o matrimônio é um bem em tudo que lhe é peculiar, e são três as peculiaridades:
1- o preceito da criação; 
2- a fidelidade conjugal;
 3- o sacramento da união.

- Sobre o primeiro está escrito em 1Tm: Desejo que as jovens viúvas se casem, criem filhos, dirijam suas casas...! 
- Sobre a segunda está escrito em 1Cor 7: A mulher não dispõe de seu corpo, mas é o marido quem dispõe; do mesmo modo, o marido não dispões de seu corpo, mas é a mulher quem dispõe...! 
- Sobre a terceira está escrito no evangelho de Mateus: Que o homem não separe o que Deus uniu...!

Por ser o matrimônio um bem, este faz muito bem mesmo com relação ao mal da sensualidade, visto que não é a sensualidade que faz bom uso de si mesma, mas sim a razão.
 A sensualidade consiste, -- como observou o apóstolo -- na lei que peleja contra a lei da razão, e é a lei dos membros desobedientes, mas a razão, quando se utiliza retamente da sensualidade, faz parte da lei do matrimônio.
 Se nenhum bem pudesse resultar do mal, Deus não formaria o ser humano da união adulterina. Portanto, assim como o mal culpável do adultério, do qual nasce um ser humano, não se pode imputar a Deus, o qual  na má ação do homem realiza uma boa ação, assim tudo o que há de vergonhoso na desobediência dos membros da qual Adão e Eva se envergonharam após a desobediência, os cobrindo com folhas de figueira, não se imputa ao matrimônio. 
Devido ao matrimônio, a união conjugal não somente é lícita, mas também é útil e honesta, mas deve-se imputar ao pecado da desobediência, ao qual se seguiu o castigo: "que o homem desobediente a Deus sinta seus membros desobedientes a si próprio. Envergonhando-se deles, rapidamente cuidou de cobri-los porque se excitavam, não ao comando de sua vontade, mas ao estímulo da sensualidade, como se fosse a própria vontade."
 E o homem, sem dúvida, não deveu envergonhar-se da obra de Deus, pois em caso contrário seria causa de vergonha para o ser criado o que a Deus parecia digno. Assim, nem a Deus, nem ao homem era ofensa aquela nudez natural, pelo fato de nada haver de vergonhoso, visto que nada houve que merecesse castigo.
Não há dúvida de que existia o casamento antes do pecado tendo em vista que  como seu auxiliar o homem recebeu não outro homem, mas a mulher, e as palavras de Deus CRESCEI E MULTIPLICAI-VOS, não representam a predição de pecados culpáveis, mas a benção de matrimônio fecundo. Mediante essas suas inefáveis palavras, isto é, por esses divinos mandamentos, que vieram na verdade de sua sabedoria, Deus, que tudo criou, introduziu a potência do sêmen nos primeiros homens. Porém, se a natureza não se tivesse degradado pelo pecado, longe de nós pensar que o matrimônio no paraíso fosse de tal ordem que, para a criação da prole, os órgãos genitais se excitariam pelo ímpeto da sensualidade, e não por ordem da vontade, como o pé para andar, as mãos para fazer algo ou a língua para falar. Nem, como acontece hoje, a integridade virginal não se deterioraria na concepção dos fetos pela força do ardor impetuoso, mas cederia ao mando do amor tranquilo. Não haveria a dor e o sangue da virgem na relação matrimonial, como também não haveria os gemidos da mãe ao dar à luz. 
Lógico que há muitas dificuldades para se acreditar nestes pormenores, já que não podem ser verificados na atual condição da mortalidade. Degenerada a natureza pelo pecado, não há como encontrar exemplos daquela pureza primitiva, mas falamos a fiéis que aprenderam a dar crédito às palavras divinas, mesmo sem exemplos em que se fundamente a verdade. 
Como posso demonstrar hoje que o homem foi criado do limo da terra sem a participação de pais, e que a esposa foi formada de sua costela? Tenhamos em conta, de princípio que a fé acredita no que o olho não vê.  

SEGUNDA PARTE
Nos capítulos XXXVI, XXXVII E XXXVIII, Agostinho mostra que depois do pecado, são incompreensíveis os atos de casamento com a pureza original; que o ilícito do casamento não provém da instituição, mas da tentação da vontade, e finda afirmando que o uso da sensualidade no casamento é algo legítimo.
Agostinho diz:  É impossível também fazer compreender a serenidade no primeiro casamento, sem a paixão da sensualidade, e o movimento dos órgãos genitais, assim como dos outros membros, não pela excitação do ardor desenfreado, mas pelo arbítrio da vontade [ como seria hoje a união conjugal, se não houvesse a injúria do pecado ] 
Mas a impossibilidade em fazer compreender não impede que com razão se dê crédito ao que está escrito por autoridade de Deus.
Não se dá agora uma relação carnal sem o prurido da concupiscência, assim como não acontece um parto sem dor e gemidos, e que alguém venha ao mundo isento da morte futura. Contudo, conforme a verdade estampada nas santas Escrituras, não haveria o gemido da parturiente nem a morte dos homens, se não houvesse o pecado. Não haveria motivo de se envergonharem os que cobriram os membros - Adão e Eva - pois, nas mesmas santas letras das Escrituras está escrito que aconteceu depois do pecado.
Assim, se o movimento desonesto não lhes houvesse chamado a atenção para os membros por meio dos olhos, que não estavam fechados, mas que também não estavam abertos, ou seja, atentos, nada teriam sentido de vergonhoso não tendo a necessidade de cobrir o corpo, o qual Deus fizera integralmente decente. Isso porque, se não precedesse o crime, que a desobediência ousara cometer, não viria depois a ação desonesta que o pudor pretendia cobrir.    
É claro, portanto, que tudo isso não se há de imputar ao matrimônio. Mesmo que não tivesse havido o pecado, o matrimônio todavia existia, e seu bem não seria anulado por esse mal, visto que, pelo casamento, esse mal destina-se a um uso honesto.
 Porém, pelo fato de, na atual condição dos mortais andarem juntos a relação carnal e a sensualidade, aqueles que não querem ou não sabem distinguir essas coisas, são levados a não considerar como lícito e honesto o matrimônio, pelo fato de se censurar a sensualidade. E não percebem que um é o Bem do matrimônio, do qual ele se gloria, ou seja, a prole, a castidade conjugal e o sacramento, e outra coisa é não um mal do casamento, mas concupiscência carnal, da qual o casamento também se envergonha. Mas sem esse mal não se verifica o bem do casamento, ou seja, a procriação dos filhos. Por isso, quando se leva a efeito tal operação, procura-se a privacidade, dispensam-se as testemunhas, se evita a presença dos próprios filhos, se já nasceram alguns, quando estão na idade de compreenderem esta operação. 
Assim ao casamento, é permitido praticar o que é lícito, mas de modo que não se deixe de esconder o que é contra o pudor.
Daí se conclui que não nasçam sem o contágio do pecado as crianças, as quais não são capazes de pecado. Essa constatação não tem fundamento no lícito, mas no ilícito. Do que é lícito, nasce a natureza; do que é ilícito, o pecado. O autor da natureza que nasce, é Deus que criou o homem, e o uniu à mulher pelo direito nupcial; o autor do pecado é a astúcia do diabo enganador, e também a vontade do homem que consente.
Deus não é autor de nada disso, a não ser da condenação, por justo juízo, do homem deliberadamente pecador e de sua descendência.
 Assim, o que ainda não havia nascido, é condenado com justiça na raiz prevaricadora. A geração humana submete a criatura humana a essa raiz condenada, da qual a liberta somente a regeneração espiritual. 
Desse modo, essa raiz condenada de forma alguma prejudicará os pais se perseverarem na graça recebida pela remissão dos pecados. E só poderão perseverar, se não se relacionarem sexualmente não somente mediante alguma corrupção ilícita, mas também se realizarem o ato conjugal não levados pela intenção de procriar filhos, mas pelo desejo de saciar a concupiscência com o prazer carnal.
Com a finalidade de evitar infidelidades, o Apóstolo, por condescendência, não por mandato, concede aos maridos e esposas a não se recusarem um ao outro, a não ser de comum acordo e por algum tempo, para se entregarem à oração. É evidente que a condescendência implica alguma culpa. 
A relação sexual dos cônjuges, regulada também pelas leis matrimoniais e que tem por objetivo a procriação de filhos, é honesta não somente comparada à fornicação, mas também por si mesma. Mas, devido ao corpo de pecado, ainda não renovado pela ressurreição, é realizada com alguma excitação animal, da qual se envergonha a natureza humana. Contudo, essa relação não é pecado, sempre que a razão lançar mão da sensualidade para o bem e não se deixar vencer pelo mal. 



EM GRAÇA DE CRISTO E O PECADO ORIGINAL: SANTO AGOSTINHO - A GRAÇA I
VOLUME NÚMERO 12 DA COLEÇÃO PATRÍSTICA - EDITORA PAULUS


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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

AGOSTINHO E A QUESTÃO DO MAL.

Agostinho foi uma das grandes mentes do Ocidente que tentou resolver o chamado “problema filosófico do mal”. Sua abordagem da questão não foi apenas prática, mas brilhante.
 Existem dois diferentes aspectos neste problema. Uma maneira de abordar a questão da origem do mal é levantando um silogismo (uma série de afirmações que formam um argumento coerente):

1) Deus criou todas as coisas;
2) O MAL é uma coisa;
3)Portanto, Deus criou o MAL.

Se as duas primeiras premissas são verdadeiras, então a conclusão é inescapável.
 Essa formulação, se sustentada, é devastadora para o cristianismo. Deus não seria bom se ele tivesse criado o mal.

Agostinho percebeu que a solução estava relacionada à questão: o que é o mal?

                           O argumento acima depende da idéia de que o MAL é uma coisa (veja a segunda premissa).
 Mas e se o MAL não for uma "coisa" nesse sentido? Então o MAL não precisaria ser criado. Então, sua busca pela fonte do mal irá por outra direção.

Agostinho abordou a questão por um ângulo diferente.
Ele perguntou: Há alguma evidência convincente de que um Deus bom existe?
 Se alguma evidência nos leva a concluir que Deus existe e é bom, então ele seria incapaz de criar o MAL. Então, sua fonte deve ser alguma outra coisa.
Se essa abordagem de Agostinho for verdadeira, ela levanta um par de silogismos que leva a diferentes conclusões.
Primeira:
1) Todas as coisas que Deus criou são boas;
 2) o mal não é bom;
 3)portanto, o mal não foi criado por Deus.
 Segunda:
1) Deus criou todas as coisas;
2) Deus não criou o mal;
3) portanto,o mal não é uma coisa.

Essa é a estratégia de Agostinho. Se o mal não é uma coisa, então o argumento contra o cristianismo desenvolvido pelo primeiro silogismo que vimos não tem fundamento porque uma de suas premissas é falsa.
                                                   A questão fundamental é: o que é o MAL?

A ideia central de BEM de Agostinho (e, consequentemente, de mal) era a noção do ser. Para Agostinho, tudo o que tinha o ser, era bom. Deus como a fonte do ser é perfeitamente bom, juntamente com tudo o que ele trouxe à existência. A bondade é uma propriedade que varia em diferentes níveis.
Com esse fundamento, Agostinho estava agora preparado para responder à questão principal: 
                Onde está o mal? Qual a sua fonte? Quando e por onde ele entrou?

A resposta de Agostinho foi: "O mal não possui uma natureza negativa, mas a perda do BEM recebeu o nome de MAL.
A diminuição da propriedade do BEM é o que se chama de MAL. O BEM tem um ser substancial, o MAL não possui este ser. Portanto, desde que todas as coisas foram feitas boas, o MAL necessariamente deve ser uma privação do BEM.
                                    "Tudo o que é corrompido é privado do BEM".!
Então, dizer que alguma coisa é má é apenas uma maneira de dizer que ela é privada do bem, ou tem uma quantidade menor de bem que deveria ter.
                                     Mas a questão permanece: "Quando e por onde ele entrou?".
Ao grande problema do mal, Agostinho conseguiu apresentar uma explicação que se tornou ponto de referência por muitos séculos e ainda hoje conserva sua validade. 

Ele faz um exame do mal em três níveis:
a) metafísico-ontológico
b) moral
c)físico.

Do ponto de vista metafísico-ontológico, como foi citado, não existe mal no cosmos, mas apenas graus inferiores de ser, em relação a Deus, graus esses que dependem da finitude do ser criado e dos diferentes níveis dessa finitude. Mas mesmo aquilo que, numa consideração superficial, parece "defeito" [e portanto poderia parecer mal], na realidade, na ótica do universo, visto em seu conjunto, desaparece. As coisas, as mais ínfimas, se revelam momentos articulados de um grande conjunto harmônico.

Do ponto de vista moral, o mal é o pecado. Esse depende de nossa má vontade. E a má vontade não tem "causa eficiente", e sim muito mais, "causa deficiente". Por sua natureza, a vontade deveria tender para o Bem supremo. Mas, como existem muitos bens criados e finitos,a vontade pode vir a tender a eles e, subvertendo a ordem hierárquica, preferir a criatura e não Deus, optando por bens inferiores, ao invés dos bens superiores. Sendo assim, o mal deriva do fato de que não há um único bem, e sim muitos bens, consistindo precisamente o pecado na escolha incorreta entre esses bens. 
O mal moral, portanto é "aversio a Deo" e "conversio ad creaturam".
 [A "aversio não representa necessariamente um ódio explícito ou aversão, mas o afastamento de Deus, conseguinte à anteposição de um bem aparente ou finito ao bem supremo do homem (conversio).  Agostinho descreve-o como « o amor de si próprio levado até ao desprezo de Deus». <<< Por esta exaltação orgulhosa de si mesmo, o pecado é  diametralmente oposto à obediência de Jesus, que realizou a salvação>>> . ]
O  fato de se ter recebido de Deus uma vontade livre é para nós  grande bem. O MAL é o mau uso desse grande bem.

Do ponto de vista físico, o mal, como as doenças, os sofrimentos e a morte, tem significado bem preciso para quem reflete na fé: 
"é a consequência do pecado original, ou seja, é consequência do mal moral. A corrupção do corpo que pesa sobre a alma não é a causa, mas a pena do primeiro pecado."

Para Agostinho o mal não poderia ser escolhido, pois ele não era uma coisa a ser escolhida. Alguém pode apenas afastar-se do bem, isso é, de um grau maior para um grau menor (na hierarquia de Agostinho) desde que todas as coisas são boas. Pois, segundo ele, quando a vontade abandona o que está acima de si e se vira para o que está abaixo, ela se torna má - não porque é má a coisa para a qual ela se vira, mas porque o virar em si é mau. 
O MAL, então, é o próprio ato de escolher um bem menor.


Para Agostinho a fonte do MAL está no livre arbítrio das pessoas, ou melhor, na DEFICIÊNCIA do livre arbítrio. O ato da vontade humana em afastar-se de Deus, seu Senhor, constitui exatamente o pecado, o pecado original de cada ser humano, no qual sua vontade é essencialmente debilitada.

Bibliografia: Livro de Santo Agostinho "O LIVRE ARBÍTRIO" 
- 2ª edição - Editora Paulus 1995.




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