terça-feira, 31 de dezembro de 2013

ARMINIANOS, CALVINISTAS E A GRAÇA PREVENIENTE.





Há entre calvinistas e arminianos um acirrado  debate a respeito da "graça preveniente", porém pelas colocações de alguns membros dos dois grupos, a impressão é de que eles não se dispuseram a separar um determinado tempo para estudar e refletir sobre o parecer do criador do termo.  Não há até os dias atuais, algum cristão que tenha escrito, explanado ou debatido mais este tema que Agostinho, a quem muitos consideram como O DOUTOR DA GRAÇA.

A proposta deste artigo é mostrar a posição de Agostinho e do entendimento que o levou a elaborar as três noções da função da graça: 
A GRAÇA PREVENIENTE, A GRAÇA OPERATIVA E A GRAÇA COOPERATIVA. 
                                       
O texto bíblico " Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permanecer em mim e eu nele produz muito fruto, porque sem mim nada podeis fazer"  [ evangelho de João ] era um dos prediletos de Agostinho. As palavras grifadas no texto sintetizam o seu ponto de vista de que somos totalmente dependentes de Deus para nossa salvação, desde o começo até o fim da vida. Agostinho traçou uma diferença precisa entre as faculdades naturais humanas -- concedidas ao homem como dádiva natural-- e o dom adicional e especial da GRAÇA. Deus não nos abandona no lugar que naturalmente nos encontramos, incapacitados pelo pecado e incapazes de nos salvar, mas concede-nos a graça, para que possamos ser curados, perdoados e restaurados. Agostinho vê a natureza humana como algo frágil, corrompido, fraco, e que precisa do auxílio e do cuidado de Deus para que haja a restauração e a cura. 
Para Agostinho a "graça" é um favor generoso e totalmente imerecido que Deus concede à humanidade, por meio do qual esse processo de restauração pode ser iniciado. A natureza humana necessita ser transformada pela graça tão generosamente concedida. 
As características gerais da visão de Agostinho se tornam bem nítidas quando lemos uma passagem que está inserida em seu célebre documento antipelagiano escrito em 415 denominado DA NATUREZA E DA GRAÇA:


"A natureza humana foi, com certeza originalmente criada sem culpa, e sem pecado, mas essa natureza que cada um de nós agora herda de Adão precisa de um médico, pois está enferma. Tudo o que ela tem de bom, por meio de sua concepção, vida, sentidos e mente é proveniente de Deus, seu criador. Mas a deficiência  que ofusca e incapacita todas essas excelentes habilidades naturais, motivo pelo qual essa natureza precisa ser iluminada e restaurada, não tem origem no criador irrepreensível, mas no pecado original cometido através do livre arbítrio. Por essa razão nossa natureza culpada está sujeita a uma punição justa. Pois se agora somos nova criatura em Cristo, éramos, antes, filhos da ira, como todos os homens. Mas Deus, que é rico em misericórdia devido ao grande amor com que nos amou, mesmo quando estávamos mortos em nossos delitos e pecados, nos ressuscitou para a vida em Cristo, por meio de cuja graça somos salvos. Mas essa graça de Cristo, sem a qual nem as crianças, nem os adultos podem ser salvos, não é concedida como recompensa por méritos próprios, mas é gratuitamente doada e, por esse motivo é chamada GRAÇA".


Agostinho entendia a graça como a verdadeira e redentora presença divina em Cristo que atua dentro de nós, transformando-nos; portanto, ela é algo interno e ativo. 
Como foi colocado anteriormente: --'a humanidade foi criada originalmente boa'-- mas, depois ela abandonou Deus, o qual em um gesto de graça resgatou-a desse dilema. DEUS nos socorre, quando nos cura, ilumina, revigora e continua a operar em nós para nossa própria restauração. A humanidade é justificada por um ato de graça, e mesmo as boas ações são resultado da ação de Deus no interior da natureza pecadora do homem.
Em sua essência, o termo GRAÇA apresenta uma ligação com a idéia de presente, e essa idéia teve início com Agostinho ao destacar a noção de que a salvação é um presente de Deus e não uma recompensa.
Agostinho explorou a natureza da graça por meio de várias imagens e analogias.
 Neste artigo daremos como exemplo a analogia da BALANÇA DE DOIS PRATOS, onde um dos pratos é utilizado para pesar o BEM, e o outro para pesar o MAL. Se os dois pratos estiverem em equilíbrio, os prós favoráveis, tanto ao BEM, quanto ao MAL podem ser pesados, e chegar-se a uma conclusão. A analogia desse exemplo com o LIVRE ARBÍTRIO é óbvia: 'se pesa os argumentos favoráveis ao BEM e ao MAL, e as pessoas agirão conforme o resultado'. 
Aí Agostinho faz uma pergunta: De que forma fazer se os pratos estiverem cheios, e alguém puser um peso excessivo no prato do MAL? 
A balança continuaria a funcionar, mas ela irá se inclinar totalmente para o lado do MAL. 
Conforme Agostinho, isso foi  exatamente o que aconteceu à humanidade por meio do pecado, ou seja, o LIVRE ARBÍTRIO inclinou-se para o lado do MAL, e a partir daí o homem passou a escolher sempre aquilo que é contrário ao BEM, o que é contrário a Deus. O LIVRE ARBÍTRIO continuou existindo, porém totalmente corrompido pelo pecado, e sempre inclinado para o lado do MAL.
Agostinho entendia a GRAÇA como uma força libertadora, que livra a natureza humana da escravidão do pecado a que está sujeita. Ele usou o termo LIVRE ARBÍTRIO CATIVO [liberum arbitrium captivatum] para descrever o LIVRE ARBÍTRIO que é tão fortemente influenciado pelo pecado, assim como argumentou que a GRAÇA é capaz de libertar o desejo humano de suas inclinações e conceder ao homem o LIVRE ARBÍTRIO LIBERTO [liberum arbitrium liberatum].
 Os pesos que sobrecarregam o prato da balança fazendo-o se inclinar para o MAL, são removidos pela GRAÇA possibilitando que possamos reconhecer em toda sua plenitude, o peso da decisão de escolher a Deus. Ao remover os pesos que inclinam o prato da balança para o mal, a GRAÇA faz com que o prato se incline para o BEM, e escolha Deus, ou seja, a GRAÇA não elimina o LIVRE ARBÍTRIO do ser humano, mas em realidade torna possível sua existência, só que agora inclinado para o BEM.
Foi alicerçado neste entendimento que Agostinho então elaborou, -- como foi colocado no início deste -- as três noções essenciais da função da GRAÇA:
1- GRAÇA PREVENIENTE :  O termo latino "preveniens" significa literalmente "vir à frente". Ao falar de GRAÇA PREVENIENTE, Agostinho está defendendo a posição característica de que a GRAÇA de Deus atua na vida do ser humano antes mesmo da conversão. A GRAÇA "vem à frente" da humanidade preparando a vontade humana para a conversão. Ele destaca o fato de que a GRAÇA não se torna operante na vida de uma pessoa, apenas após sua conversão. O processo que leva à conversão é um processo preparatório, no qual a GRAÇA PREVENIENTE de Deus está ativa. 
2- GRAÇA OPERATIVA: Agostinho dá ênfase ao aspecto de que Deus opera na vida dos pecadores, sem que haja a menor participação deles. A conversão é um processo puramente divino, no qual Deus age sobre o pecador. O termo GRAÇA OPERATIVA é usado como uma referência ao modo pelo qual a GRAÇA PREVENIENTE não depende da cooperação do homem para produzir seus efeitos.
3- GRAÇA COOPERATIVA: Após ter alcançado a conversão do pecador, Deus colabora com a renovada disposição do ser humano, no sentido deste conseguir se transformar, e crescer em santidade. Deus agora coopera com a vontade liberta, já que a natureza humana foi libertada do jugo do pecado.
Agostinho, portanto, usa o termo GRAÇA COOPERATIVA para se referir à maneira pela qual a GRAÇA atua na natureza humana após a conversão. 

CONCLUSÃO: Para Agostinho não existe "tipos de GRAÇA", mas uma única GRAÇA que atua em sequência exercendo três funções distintas, totalmente alheias à participação do indivíduo na qual ela está atuando, não existindo nada que possa detê-la.

FONTE:
TEOLOGIA SISTEMÁTICA, HISTÓRICA E FILOSÓFICA DE Alister McGrath.
Alister McGrath
é presidente do Oxford Centre for Evangelism and Apologetics [Centro para Evangelismo e Apologética em Oxford] e professor de Teologia Histórica na Universidade de Oxford. É autor de muitos livros, entre os quais Apologética Pura e Simples, publicado por Edições Vida Nova, que publicará também as seguintes obras: Manual de doutrinas da Fé Cristã, em parceria com J. I. Packer, The Genesis of Doctrine [A Gênese da Doutrina] e The Open Secret [O Segredo Desvendado].


  

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