segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

AGOSTINHO E A QUESTÃO DO MAL.

Agostinho foi uma das grandes mentes do Ocidente que tentou resolver o chamado “problema filosófico do mal”. Sua abordagem da questão não foi apenas prática, mas brilhante.
 Existem dois diferentes aspectos neste problema. Uma maneira de abordar a questão da origem do mal é levantando um silogismo (uma série de afirmações que formam um argumento coerente):

1) Deus criou todas as coisas;
2) O MAL é uma coisa;
3)Portanto, Deus criou o MAL.

Se as duas primeiras premissas são verdadeiras, então a conclusão é inescapável.
 Essa formulação, se sustentada, é devastadora para o cristianismo. Deus não seria bom se ele tivesse criado o mal.

Agostinho percebeu que a solução estava relacionada à questão: o que é o mal?

                           O argumento acima depende da idéia de que o MAL é uma coisa (veja a segunda premissa).
 Mas e se o MAL não for uma "coisa" nesse sentido? Então o MAL não precisaria ser criado. Então, sua busca pela fonte do mal irá por outra direção.

Agostinho abordou a questão por um ângulo diferente.
Ele perguntou: Há alguma evidência convincente de que um Deus bom existe?
 Se alguma evidência nos leva a concluir que Deus existe e é bom, então ele seria incapaz de criar o MAL. Então, sua fonte deve ser alguma outra coisa.
Se essa abordagem de Agostinho for verdadeira, ela levanta um par de silogismos que leva a diferentes conclusões.
Primeira:
1) Todas as coisas que Deus criou são boas;
 2) o mal não é bom;
 3)portanto, o mal não foi criado por Deus.
 Segunda:
1) Deus criou todas as coisas;
2) Deus não criou o mal;
3) portanto,o mal não é uma coisa.

Essa é a estratégia de Agostinho. Se o mal não é uma coisa, então o argumento contra o cristianismo desenvolvido pelo primeiro silogismo que vimos não tem fundamento porque uma de suas premissas é falsa.
                                                   A questão fundamental é: o que é o MAL?

A ideia central de BEM de Agostinho (e, consequentemente, de mal) era a noção do ser. Para Agostinho, tudo o que tinha o ser, era bom. Deus como a fonte do ser é perfeitamente bom, juntamente com tudo o que ele trouxe à existência. A bondade é uma propriedade que varia em diferentes níveis.
Com esse fundamento, Agostinho estava agora preparado para responder à questão principal: 
                Onde está o mal? Qual a sua fonte? Quando e por onde ele entrou?

A resposta de Agostinho foi: "O mal não possui uma natureza negativa, mas a perda do BEM recebeu o nome de MAL.
A diminuição da propriedade do BEM é o que se chama de MAL. O BEM tem um ser substancial, o MAL não possui este ser. Portanto, desde que todas as coisas foram feitas boas, o MAL necessariamente deve ser uma privação do BEM.
                                    "Tudo o que é corrompido é privado do BEM".!
Então, dizer que alguma coisa é má é apenas uma maneira de dizer que ela é privada do bem, ou tem uma quantidade menor de bem que deveria ter.
                                     Mas a questão permanece: "Quando e por onde ele entrou?".
Ao grande problema do mal, Agostinho conseguiu apresentar uma explicação que se tornou ponto de referência por muitos séculos e ainda hoje conserva sua validade. 

Ele faz um exame do mal em três níveis:
a) metafísico-ontológico
b) moral
c)físico.

Do ponto de vista metafísico-ontológico, como foi citado, não existe mal no cosmos, mas apenas graus inferiores de ser, em relação a Deus, graus esses que dependem da finitude do ser criado e dos diferentes níveis dessa finitude. Mas mesmo aquilo que, numa consideração superficial, parece "defeito" [e portanto poderia parecer mal], na realidade, na ótica do universo, visto em seu conjunto, desaparece. As coisas, as mais ínfimas, se revelam momentos articulados de um grande conjunto harmônico.

Do ponto de vista moral, o mal é o pecado. Esse depende de nossa má vontade. E a má vontade não tem "causa eficiente", e sim muito mais, "causa deficiente". Por sua natureza, a vontade deveria tender para o Bem supremo. Mas, como existem muitos bens criados e finitos,a vontade pode vir a tender a eles e, subvertendo a ordem hierárquica, preferir a criatura e não Deus, optando por bens inferiores, ao invés dos bens superiores. Sendo assim, o mal deriva do fato de que não há um único bem, e sim muitos bens, consistindo precisamente o pecado na escolha incorreta entre esses bens. 
O mal moral, portanto é "aversio a Deo" e "conversio ad creaturam".
 [A "aversio não representa necessariamente um ódio explícito ou aversão, mas o afastamento de Deus, conseguinte à anteposição de um bem aparente ou finito ao bem supremo do homem (conversio).  Agostinho descreve-o como « o amor de si próprio levado até ao desprezo de Deus». <<< Por esta exaltação orgulhosa de si mesmo, o pecado é  diametralmente oposto à obediência de Jesus, que realizou a salvação>>> . ]
O  fato de se ter recebido de Deus uma vontade livre é para nós  grande bem. O MAL é o mau uso desse grande bem.

Do ponto de vista físico, o mal, como as doenças, os sofrimentos e a morte, tem significado bem preciso para quem reflete na fé: 
"é a consequência do pecado original, ou seja, é consequência do mal moral. A corrupção do corpo que pesa sobre a alma não é a causa, mas a pena do primeiro pecado."

Para Agostinho o mal não poderia ser escolhido, pois ele não era uma coisa a ser escolhida. Alguém pode apenas afastar-se do bem, isso é, de um grau maior para um grau menor (na hierarquia de Agostinho) desde que todas as coisas são boas. Pois, segundo ele, quando a vontade abandona o que está acima de si e se vira para o que está abaixo, ela se torna má - não porque é má a coisa para a qual ela se vira, mas porque o virar em si é mau. 
O MAL, então, é o próprio ato de escolher um bem menor.


Para Agostinho a fonte do MAL está no livre arbítrio das pessoas, ou melhor, na DEFICIÊNCIA do livre arbítrio. O ato da vontade humana em afastar-se de Deus, seu Senhor, constitui exatamente o pecado, o pecado original de cada ser humano, no qual sua vontade é essencialmente debilitada.

Bibliografia: Livro de Santo Agostinho "O LIVRE ARBÍTRIO" 
- 2ª edição - Editora Paulus 1995.




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