segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

AGOSTINHO E O MATRIMÔNIO!


Ao fazer a exegese de 1Tessalonicensses capítulo 4, tendo como foco as palavras que na atualidade compõe os versos 4 e 5, os pelagianos entendiam  que o "bem do casamento fosse o mal da concupiscência, pela qual se amam os esposos que desconhecem a Deus, um procedimento proibido pela Bíblia através do apóstolo Paulo", argumentavam que o casamento era um mal, e não era obra de Deus o ser humano gerado nesta relação. 
Diante desta argumentação, Agostinho fez uma pormenorizada e longa refutação, cujo teor está retratada em "O PECADO ORIGINAL, do capítulo XXXIII ao XXXVIII, contido no livro A GRAÇA DE CRISTO E O PECADO ORIGINAL.
 A pormenorização da refutação nos oferece não só uma excelente exposição sobre o casamento, mas também sobre a sensualidade e a sexualidade  nele envolvida.

PRIMEIRA PARTE
Para que haja uma facilidade maior na leitura e no entendimento dividimos o texto em duas partes, três capítulos em cada um.
Nos capítulos XXXIII, XXXIV, e XXXV, Agostinho responde a argumentação dos pelagianos mostrando a bondade da natureza e maldade do pecado. Também mostra que as obras de Deus são sempre boas, mesmo que os intermediários sejam maus, e afirma que o matrimônio existia antes do pecado sem as consequencias da sensualidade.

Agostinho diz: "O bem do matrimônio é a castidade conjugal, pela qual a sensualidade se restringe ao bom uso regular da procriação de filhos, e pode ser obra de Deus, tanto o ser humano procriado no casamento como o fruto da fornicação e do adultério. Mas nesta questão, onde se indaga não aquilo que necessita de criador, mas de salvador, não há de se considerar o que há de bom na procriação de uma natureza, mas o que há de mau no pecado, que certamente contamina a natureza. Ambos, natureza e pecado da natureza, se propagam juntos, mas enquanto a natureza é um bem, o pecado da natureza é um mal. 
A natureza se recebe da liberalidade de Deus, já o pecado da natureza provém da condenação da origem. A natureza tem por causa a vontade do Deus Supremo, o pecado da natureza procede da vontade depravada do primeiro homem. A natureza indica Deus como formador da criatura; o pecado da natureza indica Deus como castigador da desobediência. Finalmente, o mesmo e próprio Cristo para curar a natureza é o autor do homem, e para curar o pecado da natureza fez-se homem.
Portanto, o matrimônio é um bem em tudo que lhe é peculiar, e são três as peculiaridades:
1- o preceito da criação; 
2- a fidelidade conjugal;
 3- o sacramento da união.

- Sobre o primeiro está escrito em 1Tm: Desejo que as jovens viúvas se casem, criem filhos, dirijam suas casas...! 
- Sobre a segunda está escrito em 1Cor 7: A mulher não dispõe de seu corpo, mas é o marido quem dispõe; do mesmo modo, o marido não dispões de seu corpo, mas é a mulher quem dispõe...! 
- Sobre a terceira está escrito no evangelho de Mateus: Que o homem não separe o que Deus uniu...!

Por ser o matrimônio um bem, este faz muito bem mesmo com relação ao mal da sensualidade, visto que não é a sensualidade que faz bom uso de si mesma, mas sim a razão.
 A sensualidade consiste, -- como observou o apóstolo -- na lei que peleja contra a lei da razão, e é a lei dos membros desobedientes, mas a razão, quando se utiliza retamente da sensualidade, faz parte da lei do matrimônio.
 Se nenhum bem pudesse resultar do mal, Deus não formaria o ser humano da união adulterina. Portanto, assim como o mal culpável do adultério, do qual nasce um ser humano, não se pode imputar a Deus, o qual  na má ação do homem realiza uma boa ação, assim tudo o que há de vergonhoso na desobediência dos membros da qual Adão e Eva se envergonharam após a desobediência, os cobrindo com folhas de figueira, não se imputa ao matrimônio. 
Devido ao matrimônio, a união conjugal não somente é lícita, mas também é útil e honesta, mas deve-se imputar ao pecado da desobediência, ao qual se seguiu o castigo: "que o homem desobediente a Deus sinta seus membros desobedientes a si próprio. Envergonhando-se deles, rapidamente cuidou de cobri-los porque se excitavam, não ao comando de sua vontade, mas ao estímulo da sensualidade, como se fosse a própria vontade."
 E o homem, sem dúvida, não deveu envergonhar-se da obra de Deus, pois em caso contrário seria causa de vergonha para o ser criado o que a Deus parecia digno. Assim, nem a Deus, nem ao homem era ofensa aquela nudez natural, pelo fato de nada haver de vergonhoso, visto que nada houve que merecesse castigo.
Não há dúvida de que existia o casamento antes do pecado tendo em vista que  como seu auxiliar o homem recebeu não outro homem, mas a mulher, e as palavras de Deus CRESCEI E MULTIPLICAI-VOS, não representam a predição de pecados culpáveis, mas a benção de matrimônio fecundo. Mediante essas suas inefáveis palavras, isto é, por esses divinos mandamentos, que vieram na verdade de sua sabedoria, Deus, que tudo criou, introduziu a potência do sêmen nos primeiros homens. Porém, se a natureza não se tivesse degradado pelo pecado, longe de nós pensar que o matrimônio no paraíso fosse de tal ordem que, para a criação da prole, os órgãos genitais se excitariam pelo ímpeto da sensualidade, e não por ordem da vontade, como o pé para andar, as mãos para fazer algo ou a língua para falar. Nem, como acontece hoje, a integridade virginal não se deterioraria na concepção dos fetos pela força do ardor impetuoso, mas cederia ao mando do amor tranquilo. Não haveria a dor e o sangue da virgem na relação matrimonial, como também não haveria os gemidos da mãe ao dar à luz. 
Lógico que há muitas dificuldades para se acreditar nestes pormenores, já que não podem ser verificados na atual condição da mortalidade. Degenerada a natureza pelo pecado, não há como encontrar exemplos daquela pureza primitiva, mas falamos a fiéis que aprenderam a dar crédito às palavras divinas, mesmo sem exemplos em que se fundamente a verdade. 
Como posso demonstrar hoje que o homem foi criado do limo da terra sem a participação de pais, e que a esposa foi formada de sua costela? Tenhamos em conta, de princípio que a fé acredita no que o olho não vê.  

SEGUNDA PARTE
Nos capítulos XXXVI, XXXVII E XXXVIII, Agostinho mostra que depois do pecado, são incompreensíveis os atos de casamento com a pureza original; que o ilícito do casamento não provém da instituição, mas da tentação da vontade, e finda afirmando que o uso da sensualidade no casamento é algo legítimo.
Agostinho diz:  É impossível também fazer compreender a serenidade no primeiro casamento, sem a paixão da sensualidade, e o movimento dos órgãos genitais, assim como dos outros membros, não pela excitação do ardor desenfreado, mas pelo arbítrio da vontade [ como seria hoje a união conjugal, se não houvesse a injúria do pecado ] 
Mas a impossibilidade em fazer compreender não impede que com razão se dê crédito ao que está escrito por autoridade de Deus.
Não se dá agora uma relação carnal sem o prurido da concupiscência, assim como não acontece um parto sem dor e gemidos, e que alguém venha ao mundo isento da morte futura. Contudo, conforme a verdade estampada nas santas Escrituras, não haveria o gemido da parturiente nem a morte dos homens, se não houvesse o pecado. Não haveria motivo de se envergonharem os que cobriram os membros - Adão e Eva - pois, nas mesmas santas letras das Escrituras está escrito que aconteceu depois do pecado.
Assim, se o movimento desonesto não lhes houvesse chamado a atenção para os membros por meio dos olhos, que não estavam fechados, mas que também não estavam abertos, ou seja, atentos, nada teriam sentido de vergonhoso não tendo a necessidade de cobrir o corpo, o qual Deus fizera integralmente decente. Isso porque, se não precedesse o crime, que a desobediência ousara cometer, não viria depois a ação desonesta que o pudor pretendia cobrir.    
É claro, portanto, que tudo isso não se há de imputar ao matrimônio. Mesmo que não tivesse havido o pecado, o matrimônio todavia existia, e seu bem não seria anulado por esse mal, visto que, pelo casamento, esse mal destina-se a um uso honesto.
 Porém, pelo fato de, na atual condição dos mortais andarem juntos a relação carnal e a sensualidade, aqueles que não querem ou não sabem distinguir essas coisas, são levados a não considerar como lícito e honesto o matrimônio, pelo fato de se censurar a sensualidade. E não percebem que um é o Bem do matrimônio, do qual ele se gloria, ou seja, a prole, a castidade conjugal e o sacramento, e outra coisa é não um mal do casamento, mas concupiscência carnal, da qual o casamento também se envergonha. Mas sem esse mal não se verifica o bem do casamento, ou seja, a procriação dos filhos. Por isso, quando se leva a efeito tal operação, procura-se a privacidade, dispensam-se as testemunhas, se evita a presença dos próprios filhos, se já nasceram alguns, quando estão na idade de compreenderem esta operação. 
Assim ao casamento, é permitido praticar o que é lícito, mas de modo que não se deixe de esconder o que é contra o pudor.
Daí se conclui que não nasçam sem o contágio do pecado as crianças, as quais não são capazes de pecado. Essa constatação não tem fundamento no lícito, mas no ilícito. Do que é lícito, nasce a natureza; do que é ilícito, o pecado. O autor da natureza que nasce, é Deus que criou o homem, e o uniu à mulher pelo direito nupcial; o autor do pecado é a astúcia do diabo enganador, e também a vontade do homem que consente.
Deus não é autor de nada disso, a não ser da condenação, por justo juízo, do homem deliberadamente pecador e de sua descendência.
 Assim, o que ainda não havia nascido, é condenado com justiça na raiz prevaricadora. A geração humana submete a criatura humana a essa raiz condenada, da qual a liberta somente a regeneração espiritual. 
Desse modo, essa raiz condenada de forma alguma prejudicará os pais se perseverarem na graça recebida pela remissão dos pecados. E só poderão perseverar, se não se relacionarem sexualmente não somente mediante alguma corrupção ilícita, mas também se realizarem o ato conjugal não levados pela intenção de procriar filhos, mas pelo desejo de saciar a concupiscência com o prazer carnal.
Com a finalidade de evitar infidelidades, o Apóstolo, por condescendência, não por mandato, concede aos maridos e esposas a não se recusarem um ao outro, a não ser de comum acordo e por algum tempo, para se entregarem à oração. É evidente que a condescendência implica alguma culpa. 
A relação sexual dos cônjuges, regulada também pelas leis matrimoniais e que tem por objetivo a procriação de filhos, é honesta não somente comparada à fornicação, mas também por si mesma. Mas, devido ao corpo de pecado, ainda não renovado pela ressurreição, é realizada com alguma excitação animal, da qual se envergonha a natureza humana. Contudo, essa relação não é pecado, sempre que a razão lançar mão da sensualidade para o bem e não se deixar vencer pelo mal. 



EM GRAÇA DE CRISTO E O PECADO ORIGINAL: SANTO AGOSTINHO - A GRAÇA I
VOLUME NÚMERO 12 DA COLEÇÃO PATRÍSTICA - EDITORA PAULUS


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