[CARTA DE MARTINHO LUTERO TRATANDO SOBRE AS FORMAS DE
CULTO DESAFIA CONTENDAS TOLAS E DOUTRINAS ESPÚRIAS FLORESCENDO NA IGREJA APÓS
CINCO SÉCULOS.]
"A OPINIÃO TOLERANTE DO REFORMADOR SOBRE AS FORMAS
DE CULTO EXPRESSA NOS ANOS INICIAIS DA REFORMA NO ESCRITO "MISSA
ALEMÃ" É RELATIVAMENTE CONHECIDA. QUE O REFORMADOR, AO FINAL DA VIDA,
REFORÇA ESTE CONCEITO NUMA CARTA AO PRÍNCIPE GEORGE DE ANHALT PODE SURPREENDER,
MAS É PLENAMENTE COERENTE COM O QUE ELE ESCREVE EM 1520 SOBRE A LIBERDADE
CRISTÃ."
Em
Congregação de Cristo! Tradução Martin Weingaertner!
Carta
ao príncipe George de Anhalt
Graça e paz no
Senhor!
O doutor Augustinho Schurf insistiu muito que eu
escrevesse para ti, digníssimo e excelentíssimo Príncipe uma carta sobre as
formas de culto. Confesso que não sou favorável a formas de culto necessárias,
mas, das desnecessárias, sou inimigo. Inquietou-me e ainda me inquieta, não
apenas a experiência feita com elas na igreja do papa, mas também o exemplo da
Igreja Antiga. Porque facilmente acontece que as formas de culto se elevam a
leis. E, depois de se tornarem leis, logo viram em arapucas para as
consciências. E, então, a doutrina pura é obscurecida e soterrada,
especialmente, se os que sucedem aos que as estabeleceram não tiverem fogo, nem
instrução, brigando mais pelas formas de culto do que pela mortificação da carne…
até cada um seguir sua própria opinião.
Em síntese: o desprezo da Palavra da nossa parte e a
blasfêmia dos nossos oponentes me parecem preanunciar o tempo que João Batista
profetizou aos seus ouvintes: O machado já está posto à raiz das árvores (Mt
3.10). Como isto indica para o fim iminente, ao menos, o fim deste tempo
“feliz”, não me parece necessário, ficar preocupado demais em introduzir e
sintonizar formas de culto para estabelecê-las como lei eternamente válida. Uma
coisa, porém, deve ser feita para a Palavra ser ensinada pura e ricamente: que
sejam ordenados servos da Palavra instruídos e adequados que, antes de tudo, se
empenham em ser um coração e uma alma no Senhor (At 4.32).
Neste consenso
sucede com facilidade, que formas de culto sintonizem, ou seja, toleradas. Sem
ele a briga pelas formas de culto não terá nem fim, nem limites. Pois os que
nos sucederem se revoltarão contra a autoridade que nós fizemos valer. Assim a
carne lutará contra a carne, como é característico para a natureza corrompida. Por
isto não posso aconselhar que em cada lugar haja uniformidade nas formas de
culto.
Onde as formas de culto evidentemente abusivas e tolas foram eliminadas,
deve-se tolerar a diversidade, de modo que, se em algum lugar algumas deixaram
de ser praticadas, elas não venham a ser reintroduzidas; e, se elas
permaneceram, não sejam abolidas por imposição. O mesmo se dá quanto à questão da disposição costumeira
dos altares, também da vestimenta santa, respectivamente, cotidiana dos
pregadores e coisas semelhantes. Pois quando o coração e a alma são um no
Senhor, suporta-se com facilidade a falta de forma do outro neste assunto.
Acrescente-se a isto: quando não há empenho pela unidade no coração e na alma,
aquela unidade exterior tem pouco efeito e não durará muito entre os
sucessores, pois cultos estão sujeitos a lugar e tempo; e pessoas, à circunstâncias, mas o Reino de Deus não consiste neles, pois são mutáveis por
natureza.
Seja quais forem as formas de culto que vierem a existir, deve-se
evitar que elas sejam transformadas em leis compulsórias. Por isto me parece
desejável que como um professor ou um pai de família, quando lhes parecer que a
ordem foi abandonada, corrigem equívocos segundo a lei divina sem leis, mas com
supervisão na escola ou em casa e também na igreja se lidere mais por
supervisão presente do que por leis impostas. Pois onde falta a supervisão do
pai, também faltará ordem na família. É o que dizem os provérbios: “O olho do
patrão engorda a boiada” e “As pegadas do patrão adubam a lavoura”. Por isto
toda questão consiste, como Cristo diz (Lc 12.42), em pessoas sábias e fiéis.
Sem atrair tais pessoas para a liderança da igreja, tentar-se-á em vão
dirigi-la por meio de leis.
E qual seria a necessidade de uniformizar tudo, se no
papado reinou tão grande diversidade em todas as áreas? Que diferenças enormes
sempre houve entre a igreja grega e a latina! Por isto insistimos no estabelecimento de escolas e
principalmente na pureza e sintonia da doutrina que une coração e alma no
Senhor. Mas são poucos que se empenham por isto. Muitos são apenas ventres que
buscam pastagem para se alimentarem a si mesmos. Por isto tive, mais de uma
vez, a ideia de reduzir o número de pastores (nos povoados) e colocar no seu
lugar um único instruído e fiel que algumas vezes por ano visita os lugarejos
com pregação pura e supervisão dedicada, enquanto que, no entremeio, o povo vai
à igreja matriz para receber os sacramentos, respectivamente estes seriam levados
aos enfermos por diáconos.
Assim o assunto e o tempo ensinarão muita coisa que não
poderá ser antecipada por lei e que não poderá ser previsto com antecedência.
Sua Alteza tem com isto uma breve síntese do que eu
penso. O Senhor, porém, dirija sua Alteza pelo seu Espírito Santo, “sem cujo
poder não há nada no ser humano e tudo lhe é nocivo”, no caminho da salvação e
da paz para o louvor e a honra de Deus. Amém.
Submisso à sua Alteza
Martinus Luther, Doutor.
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