quinta-feira, 10 de abril de 2014

CHAMADOS PARA FORA


Escrito por  Valdemar Figueredo - Professor e teólogo.

A Igreja precisa passar por uma auditoria para se reencontrar e assim retomar a sua caminhada.
O doutor em teologia e escritor Robert C. Linthicum, especialista em missões urbanas, tem uma abordagem muito específica sobre o comportamento da Igreja frente à sua missão. Em seus estudos, ele descreve o que seriam igrejas urbanas eficazes e avalia quais seriam as marcas dessas experiências em diversas cidades do mundo. Neste contexto é que ele defende a tese de que comunidades cristãs eficazes na cidade compreenderam que “a igreja que quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas a igreja que perde sua vida por Cristo e por amor do Evangelho, salvá-la-á.” Fica caracterizado como força deste argumento que a igreja deve viver para o mundo, e não para si. Viver para si seria esperar que tudo e todos convergissem para os seus espaços e programas. Mas o proposto é o convite a que a igreja reconheça que seu campo de atuação não se restringe aos seus espaços nem aos seus programas. Noutros termos, igreja seria sinônimo de “chamados para fora”.
Em termos práticos, a proposta é para que todas as estruturas eclesiásticas sejam sujeitas à missão. O fatal é quando submetemos a missão às estruturas e confundimos igreja com o nosso quintal. Mas, quando temos a missão como norteadora dos nossos atos, tratamos as estruturas eclesiásticas sem tanta parcimônia. Acontece que a Igreja é uma idéia divina, mas ao mesmo tempo uma realização humana. Como idéia divina, ela tem origem e destino eternos. Deus a idealizou assim – e, como escolheu Abraão para abençoar a todas as famílias da terra, projetou a Igreja para abençoar o mundo. E o fez em termos de princípios e propósitos – nos quais ela é uma e sempre será a mesma –, e jamais como uma estrutura pronta e acabada.
A igreja se comunica com o mundo à sua volta sempre em perspectiva cultural, embora sua essência seja divina. E as estruturas eclesiásticas serão tantas quantas forem as experiências de cada grupo e a necessidade de se alcançar cidades e sociedades. O problema é quando, por apego às suas instituições, as igrejas deixam de ser Igreja de Cristo para se transformarem em meras estruturas compactas. É por isso que as igrejas que querem viver para si acabam por perder-se, enquanto que as congregações que vivem para o mundo se salvam. Necessariamente, a vida da igreja é encontrada no cumprimento da missão de doar-se para o mundo. Ou seja, cabe à igreja seguir os passos de Jesus.
As estruturas religiosas rigidamente erguidas não puderam tolerar a presença de Jesus, que propunha o serviço àqueles para quem a porta do templo não se abria. Aí se incluíam os abandonados, as prostitutas, os gentios, os publicanos e pecadores de todo tipo.
 Entre ficar dentro dos templos, protegido pelos guardiões do sagrado, e sair para servir à humanidade, o que o Filho de Deus preferiu?  Daí, sua afirmação categórica: “Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, esse a salvará.”
É impressionante o número de pastores que hoje vivem para carregar as estruturas eclesiásticas, sem tempo e sem forças para pastorear as pessoas – da mesma forma que a quantidade de crentes que afluem dominicalmente para os templos por um simples sentido de dever ou por um hábito enraizado. É também impressionante, como empresários conseguem reduzir as igrejas evangélicas a um nicho de mercado, transformando até as lágrimas e os suspiros do povo em produtos. E o que dizer da arrogância das chamadas confissões históricas, que justificam o seu distanciamento do mundo real com a desculpa pálida de que não são deste mundo, preferindo um amálgama da cultura eclesiástica à fluidez da cultura popular brasileira?
Seria ótimo se o ato de ir à igreja representasse a promoção de encontros em que a vida real  não fosse deixada do lado de fora daquelas quatro paredes. Então, as pessoas que para lá acorressem iriam em busca de um lugar de vida, de encontros humanos; um lugar de pulsação e criação, em que o derramamento do Espírito Santo permite que cada um ouça o Evangelho em sua própria língua e saia a anunciar o Reino de Deus ao mundo. A Igreja Evangélica em solo brasileiro precisa passar por uma auditoria para se reencontrar e assim retomar a sua caminhada. Caso contrário, será apenas uma pretensa guardiã dos mistérios divinos, como um antiquário espiritual, enquanto Cristo estará do lado de fora, à sua porta, batendo. Não, a igreja não é guardiã do sagrado; ela é a comunidade da partilha.
Publicado pela revista CRISTIANISMO HOJE - edição de abril/maio de 2010.
http://cristianismohoje.com.br/colunas/valdemar-figueredo



2 comentários:

  1. "Seria ótimo se o ato de ir à igreja representasse a promoção de encontros em que a vida real não fosse deixada do lado de fora daquelas quatro paredes. Então, as pessoas que para lá acorressem iriam em busca de um lugar de vida, de encontros humanos; um lugar de pulsação e criação, em que o derramamento do Espírito Santo permite que cada um ouça o Evangelho em sua própria língua e saia a anunciar o Reino de Deus ao mundo. A Igreja Evangélica em solo brasileiro precisa passar por uma auditoria para se reencontrar e assim retomar a sua caminhada. Caso contrário, será apenas uma pretensa guardiã dos mistérios divinos, como um antiquário espiritual, enquanto Cristo estará do lado de fora, à sua porta, batendo. Não, a igreja não é guardiã do sagrado; ela é a comunidade da partilha." Mesmo sendo difícil para ler com essa letra gótica e fina o texto é muito inspirador, leva a comunidade da partilha para ousar viver o amor ao lado de Cristo.Ser cristão fora das paredes no partir do pão.

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