AGOSTINHO É O MENTOR
“Agostinho é quem
nos deu a Reforma”.
Assim
escreveu B. B. Warfield em sua avaliação da influência de Agostinho na história
da igreja. Não foi somente porque Lutero era um monge agostiniano, ou porque
Calvino citou Agostinho mais do que qualquer outro teólogo, que tenha provocado
a observação de Warfield. Mais ou menos era porque a Reforma testemunhou o
triunfo final da doutrina agostiniana da graça sobre o legado da visão
pelagiana sobre o homem.
“Nunca,
talvez, houve outra crise de igual importância na história da igreja em que os
oponentes expressaram os princípios sobre o assunto de modo tão claro e
abstrato. Apenas a disputa de Ário antes do Concílio de Nicéia pode ser a ela
comparada”.
(História de Agmer V/IV/3)
A
“natureza, o livre-arbítrio, a virtude e a lei, estes definiram estritamente e
o fizeram independentemente da noção de Deus – eram as palavras-chave do
Pelagianismo: a virtude adquirida por si mesma é o bem supremo que é seguido
pela recompensa. A religião e a moralidade encontram-se na esfera do espírito
livre; realizam-se em todo o momento pelo esforço próprio do homem”.
A
controvérsia começou quando o monge britânico Pelágio se opôs à famosa oração
da agostiniana Roma: “Concedeste porque tu ordenaste, e ordenaste o que
desejaste”. Pelágio ficou horrorizado com a idéia de que um presente divino
(graça) é necessário para executar o que Deus ordena. Para Pelágio e seus
seguidores a responsabilidade implica sempre em capacidade. Se o homem tiver a
responsabilidade moral de obedecer à lei de Deus, deve também ter a capacidade
moral de fazê-la.
A
diferença entre pelagianismo e semi-pelagianismo é mais uma diferença de grau
do que de tipo. Para ter certeza, superficialmente parece que há uma diferença
enorme entre os dois, particularmente com respeito ao pecado original e à
dependência dos pecadores em relação à graça. Pelágio negou categoricamente a
doutrina do pecado original, argumentando que o pecado de Adão afetou apenas
Adão e que as crianças ao nascer estão no mesmo estado que Adão antes da queda.
Pelágio argumentou também que embora a graça pudesse facilitar a realização do
que é correto, não é necessária a essa finalidade. Também insistiu que a natureza
constitutiva da humanidade não é conversível; é indestrutivelmente boa.
A
visão de Agostinho da queda foi oposta tanto ao Pelagianismo como ao
semi-pelagianismo. Ele disse que a humanidade é uma massa peccati, uma “corja
de pecado”, incapaz de levantar-se da morte espiritual. Para Agostinho o homem
não pode mais mover ou inclinar a si mesmo a Deus tanto quanto um copo vazio
pode se encher. Para Agostinho o trabalho inicial da graça divina pelo qual a
alma é liberta da escravidão do pecado é soberano e operativo. Está certo de
que nós cooperamos com esta graça, mas somente após o trabalho divino inicial
de redenção.
Agostinho
não negou que o homem caído tenha ainda vontade e que essa vontade é capaz de
fazer escolhas. Discutiu que o homem caído tem ainda um livre-arbítrio
(liberium arbitrium), mas perdeu sua liberdade moral (libertas). O estado do
pecado original nos deixa na vil condição de sermos incapazes de nos abster do
pecado. Nós podemos ainda escolher o que desejamos, mas nossos desejos restam
acorrentados por nossos maus impulsos. Argumentou que a liberdade que resta na
vontade conduz sempre ao pecado. Assim na carne nós estamos livres somente para
pecar: uma liberdade oca, na realidade. É liberdade sem liberdade, uma
escravidão moral real. A liberdade verdadeira pode somente vir de nada nosso,
mas do trabalho de Deus na alma. Conseqüentemente nós somos não somente em
parte dependentes da graça para nossa conversão, mas totalmente dependentes da
graça.
Entretanto,
no semi-pelagianismo remanesce uma capacidade moral dentro do homem que não é
afetada pela queda. Nós chamamos isso uma “ilha de justiça” pela qual o pecador
caído tem ainda a habilidade inerente de se inclinar ou se mover para cooperar
com a graça de Deus. A graça é necessária, mas não necessariamente eficaz. Seu
efeito depende sempre da cooperação do pecador com ele pela virtude do exercício
da vontade.
Harnack
sintetiza o pensamento pelagiano:
Mais
do que contra Pelágio, o semi-pelagianismo tem uma doutrina do pecado original
na qual a humanidade é considerada caída. Conseqüentemente a graça facilita não
somente a virtude, ela é necessária à virtude para seguir. A natureza do homem
pode ser mudada e foi mudada pela queda.
Não
foi acidentalmente que Martinho Lutero considerou “A Escravidão da Vontade”
como seu livro mais importante. Viu em Erasmo um homem que, apesar de seus
protestos pela tese contrária, fosse um pelagiano em roupagem católica. Lutero
viu que o que há por trás da controvérsia entre mérito e da graça, e entre fé e
obras era de que grau a vontade do ser humano é escravizada pelo pecado e em
que grau nós somos dependentes da graça para nossa redenção. Lutero argumentou
a partir da Bíblia que a carne não lucra nada, e que este “nada” não é um
simples “algo”.
Nós
necessitamos de um Agostinho ou de um Lutero nos fale novamente para que não
ocorra de a luz da graça de Deus ser apenas obscurecida, mas também suprimida
em nosso tempo.
O
humanismo, em as suas formas sutis, recapitula o pelagianismo sem a camada de
verniz contra o qual Agostinho combateu. Embora Pelágio fora condenado como um
herege por Roma e – em sua forma modificada – o semi-pelagianismo foi condenado
do mesmo modo pelo Concílio de Orange em 529 d.C., as suposições básicas desta
visão persistiram durante toda a história da igreja para reaparecer no
catolicismo medieval, no renascimento, no humanismo, no socinianismo, no
arminianismo e no liberalismo moderno. O embrião do pensamento de Pelágio
sobrevive hoje não como um traço ou uma influência pela tangente, mas é
intrínseco na igreja moderna. Certamente, a igreja moderna por ela é mantida
prisioneira.
Os
evangélicos modernos passaram pela Reforma cujas raízes foram plantadas por
Agostinho, mas hoje toda a visão reformada e agostiniana da graça é
completamente oculta no cristianismo evangélico. Onde Lutero triunfou no século
XVI, gerações subseqüentes deram assentimento a Erasmo.
Os
evangélicos modernos repudiam o Pelagianismo sem a camada de verniz e
freqüentemente também o semi-pelagianismo. Insiste-se que a graça é necessária
para a salvação e que o homem está caído. A vontade é reconhecida por ser
enfraquecida severamente mesmo a ponto de ser de “dependente noventa e nove por
cento” da graça para sua redenção. Mas esse um por cento de capacidade moral
não afetada ou do poder espiritual que se transforma a diferença decisiva entre
a salvação e a perdição é o elo que preserva a corrente a Pelágio. Nós não
ficamos livres do cativeiro pelagiano à igreja.
Qual
era o assunto chave entre Agostinho e Pelágio?
O coração do debate centrou-se na doutrina do pecado original, particularmente com respeito à pergunta sobre a extensão na qual a vontade do homem caído é “livre”.
O coração do debate centrou-se na doutrina do pecado original, particularmente com respeito à pergunta sobre a extensão na qual a vontade do homem caído é “livre”.
Adolph Harnack disse:
Que
um por cento é o “pequeno algo” que Lutero procurou demolir porque remove o
sola do sola gratia e finalmente o sola do sola fide. A ironia pode estar em
que, embora o moderno cristianismo evangélico denuncie alta e repetidamente o
humanismo como o inimigo mortal do cristianismo, ele entretém uma visão
humanista do homem e da sua vontade em seu núcleo mais profundo.
Por R. C. Sproul
Traduzido por Cleber Olympio
Publicado em http://www.caminhocristao.com/2007/01/agostinho-e-pelagio/
Traduzido por Cleber Olympio
Publicado em http://www.caminhocristao.com/2007/01/agostinho-e-pelagio/
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