sábado, 6 de fevereiro de 2016

O SÍNODO DE DORTH: POR W. ROBERT GODFREY!



TRECHO DA OBRA: 
CALVINO E O CALVINISMO NOS PAÍSES BAIXOS 
POR  W. ROBERT GODFREY

ARMÍNIO E A CONFRONTAÇÃO 
As tensões entre a Igreja e o Estado, nas Províncias Unidas, permaneceram relativamente pequenas no século 16. Contudo, as diferenças acerca de questões disciplinares deixaram um potencial para uma divisão profunda e uma confrontação aguda na sociedade holandesa. Esse potencial veio à tona na controvérsia arminiana — um conflito tão amargo que levou as Províncias Unidas à beira da guerra civil.  Em 1603, Jacobus Arminius (1560-1609) foi indicado para uma cadeira de Teologia na Universidade de Leiden. Essa indicação despertou alguns protestos esparsos por parte da Igreja. Leiden tornara-se uma universidade reformada importante e internacionalmente reconhecida. A Igreja estava preocupada em manter uma ortodoxia inquestionável naquela Faculdade Teológica. Superficialmente, Armínio parecia ser confiável. Ele tinha estudado em Genebra, retornou com uma excelente carta de recomendação em mãos, de Theodore Beza, e serviu muito bem como pastor em Amsterdam. Porém, alguns ministros levantaram questões acerca de sua teologia. Em alguns sermões sobre Romanos 7 e 9, ele fizera referências a posições sobre a vontade dos não-regenerados e sobre a predestinação, posições que perturbaram a alguns.
Em 1603, Franciscus Gomarus, um calvinista estrito e, após a morte de F. Junius e L. Trelcatius, vitimado pela peste, o único membro sobrevivente da Faculdade Teológica de Leiden, ofereceu-se para entrevistar Armínio. Após a entrevista, Gomarus declarou que estava completamente satisfeito com as posições de Armínio e esse foi empossado na universidade. Entretanto, dentro de um curto espaço de tempo, começaram a circular rumor na universidade acerca do ensino de Armínio.
 Em 1605, o Sínodo local procurou investigar, mas foi impedido de fazê-lo pelas autoridades universitárias. No mesmo ano, todos os Sínodos provinciais exigiram a convocação de um Sínodo Nacional para investigar o assunto, mas o governo recusou-se a convocar um Sínodo para esse propósito. Ao invés disso, Oldenbarnevelt organizou conferências não-eclesiásticas em 1608 e 1609, nas quais ele esperava que as discussões pudessem resolver os problemas. Os calvinistas estritos insistiam em que Armínio tinha-se desviado seriamente da ortodoxia calvinista, nos assuntos de justificação e eleição. Foram lançadas contra Armínio acusações de Socinianismo, Pelagianismo e simpatia ao papismo. A controvérsia foi suspensa apenas temporariamente pela morte de Armínio em 1609.
 A teologia de Armínio frustrou uma análise completa no início do século 17, pois muitos de seus escritos importantes não tinham sido publicados. Em retrospectiva, suas posições não eram nem socinianas nem pelagianas, mas, efetivamente, diferiam da ortodoxia reformada confessional. Ele estava preocupado em sustentar a bondade e a misericórdia de Deus. Ele temia que o supralapsarianismo tendesse a fazer de Deus o autor do pecado. Ele desejava enfatizar a importância da fé e da santidade, na vida cristã, e temia que alguns elementos da teologia calvinista corroessem a moralidade. Em sua obra, Um Exame do Tratado de William Perkins a Respeito da Ordem e do Modo da Predestinação (escrita em 1602), ele demonstrava sua abordagem não-calvinista da eleição. Ele escreveu: “Em segundo lugar, afirma você que ‘a Eleição divina é o poder de dar ou retirar a fé. Por essa razão, a Eleição não pertence aos crentes, mas antes a fé pertence ao eleito, ou vem pelo dom da Eleição’. Você me permitirá negar isso, e pedir apresentação de provas, mas eu advogo a causa daqueles cujo sentimento você confronta aqui.
A Eleição é feita em Cristo. Mas ninguém está em Cristo, a não ser que seja um crente. Por essa razão ninguém é eleito em Cristo a não ser que seja crente."1 Ele também questionava se a graça especial e operante era necessária para que alguém chegasse à fé, e igualmente desafiou a doutrina da perseverança.2  A morte de Armínio apenas adiou a erupção da controvérsia na Igreja. Na verdade, seus seguidores continuaram a trabalhar resolutamente pela tolerância de suas posições dentro da Igreja. Um grupo de quarenta e três ministros arminianos, liderados por John Uytenbogaert, encontrou-se, em 1610, para redigir uma petição, um protesto ao Estado da Holanda, pedindo proteção para suas posições. Eles expuseram suas posições em cinco pontos, declarando, primeiramente, que Deus não elegeu indivíduos, mas antes o grupo daqueles que creem e obedecem; segundo, que Cristo morreu por todos os homens e por cada homem; terceiro, que a fé é um dom de Deus e, quarto, que se pode resistir ao dom da fé; quinto, que eles estavam em dúvida acerca da doutrina da perseverança. Esse documento despertou uma reação veemente da parte dos calvinistas estritos, que produziram uma declaração de sete pontos a que denominaram  Contra-Protesto. A partir desse ponto os dois grupos se tornaram amplamente conhecidos por seus contemporâneos dos Países Baixos como Protestantes e Contra-Protestantes.  O governo continuou sua tentativa de lidar com a situação através de conferências, mas tanto a Igreja quanto a sociedade apenas polarizaram-se mais acerca da questão. Os Contra-Protestantes (os arminianos) incluíam a grande maioria dos ministros e dos membros da Igreja. Os Protestantes (calvinistas restritos) representavam uma pequena minoria que era protegida pelo governo, especialmente por Oldenbarnevelt e por outros que promoviam as perspectivas erastianas (de Tomas Erastus) dos importadores da Holanda.                                              
Os calvinistas estritos experimentaram uma frustração crescente acerca da controvérsia arminiana. Eles acreditavam que os arminianos negavam verdades básicas do Evangelho, comprometendo a ortodoxia de suas igrejas, e que o governo estava impedindo os líderes da igreja de cumprirem com seu direito e responsabilidade de disciplinar os transgressores doutrinários. Em algumas cidades, os calvinistas tomaram a iniciativa extraordinária de se retirarem das igrejas de pregadores arminianos, e de visitarem cidades vizinhas ou de manterem seus próprios cultos de pregação, fora dos muros da cidade. As tensões, em algumas cidades, eram tão grandes que irromperam revoltas. Em 1615, alguns ministros começaram a falar sobre a organização de Sínodos secretos e a se retirarem da Igreja dominada pelo Estado.
A polarização da sociedade holandesa parecia ser completa quando, em julho de 1617, o Príncipe Maurício identificou-se abertamente com a causa Contra-Protestante, ao recusar-se continuar a frequentar a Igreja da Corte, em Hague, onde Uytenbogaert era o pregador. Até esse ponto, Maurício não tinha estado ativamente envolvido na controvérsia teológica que assolava as igrejas. Seu primo, Guilherme Louis, da Frísia, estivera questionando os méritos da causa calvinista, mas, provavelmente, as considerações de natureza política foram mais influentes com relação a Maurício. Esse vira na controvérsia uma oportunidade de conquistar vantagem política sobre seu rival Oldenbarnevolt, com quem já contendia acerca da questão da paz com a Espanha. Maurício desejava que a guerra continuasse até que o país fosse novamente unificado, enquanto que Oldenbarnevelt desejava uma paz permanente com a Espanha, para o bem das boas relações comerciais das Províncias Unidas.  Maurício apoiou a convocação de um Sínodo Nacional para tratar do problema arminiano e, em novembro de 1617, o Parlamento votou (com quatro votos contra três) pela convocação desse Sínodo. A Holanda insistiu em que era necessário o voto unânime, e que a ação da Parlamento era destituída de validade. Quando Maurício começou a fazer pressão militar sobre o governo, Oldenbarnevelt ameaçou levantar um exército civil para lutar contra o príncipe. A ameaça de guerra civil deixou de existir quando Maurício prendeu Oldenbarnevelt, em 29 de agosto de 1618. Vários líderes da causa Protestante (calvinista) deixaram o país. Com Maurício plenamente no controle, o decreto do Parlamento, do ano anterior, entrou em vigor imediatamente e o Sínodo Nacional foi convocado para reunir-se em Dordrecht (Dort), em novembro de 1618. 

O Sínodo de Dort 

Os calvinistas holandeses foram sensíveis ao argumento dos Contra-Protestantes no sentido de que eles não receberiam um tratamento justo no Sínodo Nacional, pois alegavam que foram somente problemas locais de personalismos que causaram o conflito. Por essa razão, para assegurar e para demonstrar a lisura dos procedimentos, os holandeses decidiram convidar delegações de igrejas reformadas irmãs de toda a Europa, para participarem como membros plenos do Sínodo. 
O Sínodo foi constituído por delegações ou colégios. Os colégios holandeses foram dos Sínodos de Gelderlândia, Holanda do Sul, Holanda do Norte, Zelândia, Utrecht, Frísia, Overijssel, Groningen, Drenthe e as igrejas de Waloon. Havia também uma delegação de professores holandeses de Teologia — Johannes Polyander, Franciscurs Gomarus, Anthonius Thysisus, Antonius Walaeus, e Sibrandus Lubbertus. Os colégios internacionais vieram da Inglaterra, Palatinado, Hesse, Nassau, Bremen, Emden, Suíça de fala alemã (Zurique, Berna, Basiléia e Schaffhausen) e de Genebra. Também foram enviados convites a França e a Brandenburgo, mas problemas políticos impediram que suas delegações viessem.  
As delegações estrangeiras exerceram influência considerável no trabalho do Sínodo, especialmente o colégio da Grã-Bretanha. O rei James, da Inglaterra, era um fiel aliado militar dos holandeses, e os holandeses estavam ansiosos para demonstrar todo o respeito por seus representantes no Sínodo. A Igreja da Escócia estava descontente por não ter sido convidada separadamente da Inglaterra. James realmente acrescentou um escocês à sua delegação, com atraso, mas esse delegado, Walter Balcanqual, era membro da Igreja da Inglaterra. Entretanto, os holandeses tinham determinado que, sempre que possível, fossem enviados convites, para participarem do Sínodo, aos chefes de Estado, permitindo-lhes que escolhessem a delegação de seus domínios.  O Sínodo de Dort, que se reuniu a 13 de novembro de 1618, foi certamente único sob vários aspectos. Por exemplo, a reunião em Dordrecht foi indubitavelmente a do único Sínodo holandês no qual um bispo (George Carlton, da Inglaterra) foi delegado. Mais importante que isso, porém é que ele foi o único Sínodo verdadeiramente ecumênico que as igrejas da Reforma já tiveram. A maioria das igrejas reformadas do mundo estava representada, e suas delegações eram membros plenos do Sínodo, habilitadas, portanto, para discutir e votar a questão doutrinária. As decisões do Sínodo sobre a teologia arminiana foram unânimes e amplamente aclamadas por toda a Europa Reformada como uma clara estruturação da verdade bíblica e como uma vitória para a ortodoxia da Reforma.  O trabalho básico do Sínodo era julgar as posições dos arminianos. Os líderes Protestantes (calvinistas) que não tinham fugido dos Países Baixos foram convocados para apresentar suas posições ao Sínodo. Através de seu porta-voz, Simon Episcopius, os arminianos tentaram, de várias formas, atrasar o trabalho do Sínodo e dividir os delegados. Após ouvir seus protestos e representações por mais de um mês, o Presidente do Sínodo, Johannes Bogerman, dispensou os arminianos e declarou que o Sínodo tomaria suas decisões baseadas em suas obras escritas.
 Cada um dos diversos colégios redigiu seu próprio parecer sobre as doutrinas arminianas e um comitê, que incluía os delegados mais proeminentes, preparou a forma final dos Decretos que foram adotados.  À medida que trabalhavam em seus pareceres, surgiram alguns problemas e diferenças entre os delegados ortodoxos do Sínodo. Tanto os infralapsarianos como os supralapsarianos estavam presentes. Eles concordaram em escrever cânones aceitáveis a ambos os lados. As diferenças sobre a extensão da expiação foram mais difíceis. As diferenças teológicas, que apareceram sobre essa questão, surpreenderam a muitos e irritaram alguns. Mas, no final, o Sínodo alcançou um acordo que unia os delegados contra os arminianos, sem resolver completamente suas próprias diferenças.  Em sua forma final, os decretos do Sínodo foram divididos em cinco  Seções Doutrinárias, como resposta aos cinco pontos do Protesto dos arminianos. Pelo fato de o terceiro ponto do Protesto estar errado apenas em relação ao quarto ponto, os decretos enfeixavam uma  Terceira e Quarta Seção Doutrinárias  como uma unidade. Os decretos declaravam que o propósito de Deus, em eleger, não estava condicionado por coisa alguma inerente ou realizada pelos homens pecadores; que a morte de Cristo era suficiente para salvar o mundo, mas era eficiente apenas para os eleitos; que o homem decaído é totalmente incapaz de ajudar-se a si próprio e que, por essa razão, o Espírito concede soberana e irresistivelmente o dom da fé ao eleito; e os que são justificados e regenerados serão preservados até o fim e serão glorificados. Essas cinco  Seções Doutrinárias  têm sido, freqüentemente, denominadas Os Cinco Pontos do Calvinismo. Mas elas não são um resumo da totalidade do Cristianismo Reformado. É melhor considerá-las como as cinco respostas do Calvinismo aos cinco erros do Arminianismo.                                               
 Tem-se feito uma caricatura dos decretos do Sínodo, tratando-os como expressão de uma rígida e árida teologia reformada escolástica. Quem quer que leia os decretos, encontrará neles uma realidade totalmente diferente. Os decretos têm um caráter profundamente pastoral e foram deliberadamente escritos em linguagem popular, para a edificação da Igreja. Eles não são especulativos, porém, começam com referir-se à miséria da condição humana e se concentram na provisão graciosa e eficaz de Deus para a salvação em Cristo. O tema da consolação do crente aparece repetidamente. Podemos ver essa qualidade dos Decretos do Sínodo de Dort, por exemplo, no Decreto 1, 13: “O significado e certeza desta eleição confere, aos filhos de Deus, motivo adicional para uma humilhação diária perante ele, para adorar a profundidade de suas misericórdias, para purificar a si próprio, e para dar uma resposta agradecida de ardente amor Àquele que, primeiramente, manifestou tão grande amor para com eles. A consideração desta doutrina da eleição está tão distante de encorajar negligência, na observância dos mandamentos divinos, ou de submergir os homens numa segurança carnal, que tais resultados — pelo justo juízo de Deus —, são os efeitos comuns de uma presunção precipitada, ou de negligência e frivolidade libertina com a graça da eleição, naqueles que se recusam a andar nos caminhos do eleito”. 
O trabalho do Sínodo não se limitou às questões levantadas pelos arminianos. Uma vez que nenhum Sínodo Nacional tinha-se reunido desde 1586, havia várias outras questões sobre a vida e a obra da Igreja necessitando de uma resolução. Um exame geral da obra adicional do Sínodo nos oferece modos úteis de compreender as preocupações e o caráter da Igreja Reformada Holandesa, no princípio do século 17.
Esse trabalho adicional do Sínodo foi dividido em Pro-Acta e Post-Acta, i.e., o trabalho feito antes de os arminianos terem chegado, e o trabalho completado após a adoção dos  Decretos.
 O  Pro-Acta compunha-se de cinco disposições básicas. Segundo a primeira, o Sínodo decidiu por uma nova   tradução oficial da Bíblia para o holandês. O resultado final foi a Statenvertaling, uma versão quase tão influente nos Países Baixos quanto o era a Versão King James (Rei Tiago) no mundo de fala inglesa.
 De acordo com a segunda, o Sínodo proporcionou uma instrução catequética regular para os jovens e uma pregação regular do Catecismo nas igrejas. Pela terceira, o Sínodo decidiu que os filhos pagãos de servos da casa de mercadores cristãos, no Extremo Oriente, não deveriam ser batizados quando crianças, mas deveriam primeiramente ser instruído na fé. Segundo a quarta questão, era necessário que houvesse uma preparação para os candidatos ao ministério, e a quinta decisão regulamentava a censura de livros considerados perigosos.
 No Post-Acta, o Sínodo tratou de três questões principais. A primeira estabeleceu um texto definitivo da Confissão Belga para a Igreja. A segunda dava respostas às crescentes tensões que havia nas igrejas holandesas, entre uma observância estrita do Sábado Puritano e a observância praticada no continente, menos estrita. O Sínodo, editando uma declaração de seis pontos, que tomou uma posição mediadora, determinou que havia uma dimensão moral contínua ao quarto mandamento, que proibia o trabalho ordinário e proibia a recreação que interferisse na adoração pública.1 Pela terceira, o Sínodo adotou uma nova  Ordem da Igreja, que incorporava a preocupação de Calvino pelo direito de a Igreja disciplinar-se a si própria. Essa Ordem Eclesiástica, baseada no precedente Sínodo de Emden, entretanto, não acabou com o Erastianismo funcional praticado pelo Estado, nos Países Baixos.
Na verdade, nenhum Sínodo Nacional reuniu-se nos Países Baixos por aproximadamente duzentos anos depois do Sínodo de Dort.  O Sínodo de Dort marcou o triunfo da ortodoxia calvinista na teologia da Igreja Reformada Holandesa e manifestou o zelo calvinista por uma Igreja disciplinada em suas decisões sobre ética e negócios de Estado. Seu conselho, entretanto, nem sempre foi o determinante do real curso de eventos na sociedade e na Igreja Holandesa, durante os séculos que se seguiram. Mesmo assim, seus atos e conclusões expressaram, sob nova forma, a visão de João Calvino, demonstraram a vitalidade do Cristianismo Reformado e proporcionaram uma rica fonte de sabedoria da qual o Calvinismo eclesiástico fortaleceu-se e foi renovado.

 W. Robert Godfrey é Professor de História da Igreja no Westminster Theological Seminary, na Califórnia. É graduado pela Stanford University (A.B., M.A., Ph.D.) e pelo Gordon Conwell Theological Seminary (M.Div.) e ministro da Igreja Cristã Reformada. Dr. Godfrey tem escrito artigos para a Archive for Reformed History e para o Westminster Theological Journal e escreveu um volume da obra Discord, Dialogue, and Concord. É membro da American Historical Association e da American Society for Reformed Research.

http://docslide.us/documents/calvino-e-sua-influencia-no-mundo-ocidental.html



                              


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