O DIABO DISSE A JESUS:"SE ME ADORARES, TUDO SERÁ TEU"!
A segunda tentação de Cristo é uma espécie de visão (não há montanha da qual se possa ver todos os reinos da terra), talvez provocada pela vista do pico de uma montanha real.
Tente visualizar a cena:
"O deserto rochoso e montanhoso, Jesus subindo um morro, arrastando-se sobre as rochas, chegando ofegante em cima. A vista é espetacular; lá em baixo, várias cidadezinhas espalhadas. Jesus olha e, de repente, em sua imaginação, vê as grandes cidades do mundo, os palácios e os templos, os reis e imperadores, o ouro e a prata, os campos, as oficinas, as minas. Agora, vê as ruas cheias de gente, oprimida, miserável, supersticiosa.
Então, em sua mente, vem a sugestão:
"Jesus está vendo aquelas cidades lá em baixo? De direito, você é quem teria autoridade sobre elas. E não só sobre elas. Pense também em Jerusalém, Damasco, Antioquia, Alexandria, Atenas, Roma...
Você não seria um governante mais justo?
Não teria idéias para dar paz e prosperidade a esses povos?
O mundo clama pelo seu governo. Você é a resposta! [Sofremos muito na igreja por não entender como o "diabo" é um bom crente.] Mas o caminho da cruz é lento, muito lento. A maioria não vai nem entender direito.
Não faz mais sentido pensar em um caminho mais rápido e mais compreensível para a maioria?
Veja, há um caminho. Não vou exigir que você me adore publicamente. Só que você deixe de lado essa ideia da cruz. E você sabe muito bem que eu tenho o poder de fazer com que você seja reconhecido como governante. Os povos precisam. A cruz é lenta"!
O Diabo vai falando ritmicamente como se batendo em um tambor:
"Os povos precisam. A cruz é lenta. Os povos precisam. A necessidade é urgente. O desgoverno é um escândalo. Considere minha proposta. Pense bem. Curve-se. Só um pouco. Curve-se..."!
Jesus atormentado, fecha os olhos, cerra os punhos. Finalmente grita: "não"! O Diabo se cala. Em agonia, Jesus gagueja: "Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto"!
Ultimamente, uma nova teologia vem ganhando espaço no meio evangélico, oriunda da direita cristã dos Estados Unidos, com o lema:"Nosso destino é governar as nações". Dizem que a Bíblia promete aso cristãos o domínio político sobre todas as nações. Sua ideia de de uma sociedade cristã é uma mistura de teocracia com darwinismo social [a sobrevivência dos mais aptos]. Segundo um defensor dessa linha, "as sociedades chamadas subdesenvolvidas o são porque são socialistas, demonistas, e amaldiçoadas". Criticando o dispensacionalismo (com sua doutrina do arrebatamento) como uma escatologia derrotista, afirmam que os cristãos serão co-governantes com Cristo.
Ultimamente, uma nova teologia vem ganhando espaço no meio evangélico, oriunda da direita cristã dos Estados Unidos, com o lema:"Nosso destino é governar as nações". Dizem que a Bíblia promete aso cristãos o domínio político sobre todas as nações. Sua ideia de de uma sociedade cristã é uma mistura de teocracia com darwinismo social [a sobrevivência dos mais aptos]. Segundo um defensor dessa linha, "as sociedades chamadas subdesenvolvidas o são porque são socialistas, demonistas, e amaldiçoadas". Criticando o dispensacionalismo (com sua doutrina do arrebatamento) como uma escatologia derrotista, afirmam que os cristãos serão co-governantes com Cristo.
O problema com esse enfoque, embora tenha a grande virtude de questionar a escatologia escapista do dispensacionalismo, é que confunde "alhos com bugalhos".
O modelo do cristão é o modelo de Cristo em sua primeira vinda, o modelo da cruz e do serviço humilde, e a glória reconhecível que Cristo terá em sua segunda vinda não dispensa esse modelo, apenas revela que o serviço é, de fato, o verdadeiro governo.
A questão essencial no tocante ao poder não é a sua posse ou não. Jesus sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria o poder, porém, a questão é QUANDO E COMO, E COM QUE MENTALIDADE, [triunfalista ou serviçal]. Os cristãos que dizem que o poder nos pertence, de direito, aqui e agora, estão aceitando o atalho que o Diabo oferece a Jesus, ou seja, GOVERNO SEM CRUZ. Acham que o cuidado que Jesus precisou ter para não sucumbir a essa tentação não é necessário para eles. O caminho deles pode ser mais curto do que o de Jesus. Além do mais, "os povos precisam..."
Oramos para que Deus facilite nosso caminho e nosso ministério, não atentando para o detalhe de que o caminho fácil possa ser uma tentação a ser resistida!
O Diabo diz que a glória dos reinos "me foi entregue e a dou a quem eu quiser". Muitas vezes o Diabo é chamado o príncipe deste mundo [por ex:João 12.31], mas em ultima análise essa reivindicação é falsa. O "mundo" (no sentido da sociedade humana organizada em oposição aos valores do reino de Deus) se entrega ao Diabo, porém o mundo (no sentido de mundo habitado) continua sendo objeto do amor e da ação de Deus.
Na frase a glória me foi entregue, o Diabo é obrigado a confessar o caráter derivado do seu poder. Mas que absurdo adorar um poder derivado! O homem sempre se "prostra" diante de algo -- ou diante da fonte do poder, ou diante de um poder derivado. O Diabo não explica quem lhe deu esse poder; se explicasse, a tentação cairia no ridículo. No discurso do Diabo há sempre um ponto além do qual ele não quer que a lógica seja levada. A resposta do cristão é de ser mais lógico que o Diabo, perpetrando as suas mistificações.
O Diabo oferece poder e glória, um cardápio atraente!
Poder: a capacidade de desenvolver meus projetos, as minhas ambições. O cristão tem a promessa do Reino de Deus, quando vier na sua plenitude, como esfera para o exercício de dons e responsabilidades; porém, neste caso a tentação é a de antecipar-se.
Glória: o reconhecimento que almejo, em parte para me gabar e em parte para me justificar a minha existência perante Deus e as pessoas. O caminho da cruz inclui a crucificação do desejo de ser reconhecido e respeitado.
E o Diabo oferece tudo isso em troca de QUÊ? Apenas de um gesto de adoração privada. Isso mostra a importância da adoração na agenda do Diabo e lança luz sobre a proibição taxativa na Bíblia de qualquer forma de espiritismo ou ocultismo. A adoração a Deus não pode ser combinada com outras adorações. Tem de ser singela. Afinal, o Diabo oferece tudo a Jesus -- e mesmo assim, acha que vai fazer um bom negócio.
A tentação de Jesus é POLÍTICA. O Diabo oferece todos os reinos [ o império Romano?]. Em termos concretos, como é que Jesus, o homem no deserto, imaginava que poderia se tornar rei de toda a terra? Qual o mecanismo sociologicamente observável que possibilitaria o cumprimento da palavra do Diabo?
Obviamente, para o homem Jesus, tinha de haver uma plausibilidade na tentação, senão, não seria uma tentação real. As mesmas palavras do Diabo para mim não seriam tentação, mas motivo de riso. O fato é que Jesus poderia fazer uma carreira política e justificá-la com as melhores razões. Mas ele renuncia a essa possibilidade concreta, porque significaria o comprometimento com um poder derivado. As boas razões que o Diabo poderia sugerir a Jesus para que aceitasse sua proposta (o desgoverno, a miséria, etc) não o cegaram para o fato de que há dois tipos de corrupção:
1- A clássica, de usar o poder para se enriquecer ou conseguir outros benefícios;
2- a mais sutil, a de fazer do próprio poder um ídolo (com melhores intenções, claro).
Um conhecido exemplo é o de Robespierre na revolução francesa: "era incorruptível, no sentido clássico acima, mas se julgava indispensável ao processo, justificando assim o uso dos meios duvidosos para se manter.
O indispensável, o iluminado, o grande líder (e também todas as vanguardas), também são corruptos.
Mas Jesus é aquela ave mais rara de todas: um indispensável que é convidado a assumir o poder, mas que se indispõe com todos os mediadores e só aceita o poder da mão de Deus!
OBS- Um acréscimo do blogueiro:
"COMO SERIA BOM SE NÓS, OS CRISTÃOS, FÔSSEMOS IMITADORES DE JESUS, E PUDÉSSEMOS ASSIM COMO ELE, SOMENTE ACEITAR O PODER DA MÃO DE DEUS"!
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Retirado do livro NEM MONGE, NEM EXECUTIVO [editora ultimato, 2011]
Este trecho foi publicado primeiramente na revista Ultimato número 349, página 48/49.
PAUL FRESTON, inglês, naturalizado brasileiro, é professor colaborador do programa de pós graduação da em sociologia na Universidade Federal de São Carlos.
O modelo do cristão é o modelo de Cristo em sua primeira vinda, o modelo da cruz e do serviço humilde, e a glória reconhecível que Cristo terá em sua segunda vinda não dispensa esse modelo, apenas revela que o serviço é, de fato, o verdadeiro governo.
A questão essencial no tocante ao poder não é a sua posse ou não. Jesus sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria o poder, porém, a questão é QUANDO E COMO, E COM QUE MENTALIDADE, [triunfalista ou serviçal]. Os cristãos que dizem que o poder nos pertence, de direito, aqui e agora, estão aceitando o atalho que o Diabo oferece a Jesus, ou seja, GOVERNO SEM CRUZ. Acham que o cuidado que Jesus precisou ter para não sucumbir a essa tentação não é necessário para eles. O caminho deles pode ser mais curto do que o de Jesus. Além do mais, "os povos precisam..."
Oramos para que Deus facilite nosso caminho e nosso ministério, não atentando para o detalhe de que o caminho fácil possa ser uma tentação a ser resistida!
O Diabo diz que a glória dos reinos "me foi entregue e a dou a quem eu quiser". Muitas vezes o Diabo é chamado o príncipe deste mundo [por ex:João 12.31], mas em ultima análise essa reivindicação é falsa. O "mundo" (no sentido da sociedade humana organizada em oposição aos valores do reino de Deus) se entrega ao Diabo, porém o mundo (no sentido de mundo habitado) continua sendo objeto do amor e da ação de Deus.
Na frase a glória me foi entregue, o Diabo é obrigado a confessar o caráter derivado do seu poder. Mas que absurdo adorar um poder derivado! O homem sempre se "prostra" diante de algo -- ou diante da fonte do poder, ou diante de um poder derivado. O Diabo não explica quem lhe deu esse poder; se explicasse, a tentação cairia no ridículo. No discurso do Diabo há sempre um ponto além do qual ele não quer que a lógica seja levada. A resposta do cristão é de ser mais lógico que o Diabo, perpetrando as suas mistificações.
O Diabo oferece poder e glória, um cardápio atraente!
Poder: a capacidade de desenvolver meus projetos, as minhas ambições. O cristão tem a promessa do Reino de Deus, quando vier na sua plenitude, como esfera para o exercício de dons e responsabilidades; porém, neste caso a tentação é a de antecipar-se.
Glória: o reconhecimento que almejo, em parte para me gabar e em parte para me justificar a minha existência perante Deus e as pessoas. O caminho da cruz inclui a crucificação do desejo de ser reconhecido e respeitado.
E o Diabo oferece tudo isso em troca de QUÊ? Apenas de um gesto de adoração privada. Isso mostra a importância da adoração na agenda do Diabo e lança luz sobre a proibição taxativa na Bíblia de qualquer forma de espiritismo ou ocultismo. A adoração a Deus não pode ser combinada com outras adorações. Tem de ser singela. Afinal, o Diabo oferece tudo a Jesus -- e mesmo assim, acha que vai fazer um bom negócio.
A tentação de Jesus é POLÍTICA. O Diabo oferece todos os reinos [ o império Romano?]. Em termos concretos, como é que Jesus, o homem no deserto, imaginava que poderia se tornar rei de toda a terra? Qual o mecanismo sociologicamente observável que possibilitaria o cumprimento da palavra do Diabo?
Obviamente, para o homem Jesus, tinha de haver uma plausibilidade na tentação, senão, não seria uma tentação real. As mesmas palavras do Diabo para mim não seriam tentação, mas motivo de riso. O fato é que Jesus poderia fazer uma carreira política e justificá-la com as melhores razões. Mas ele renuncia a essa possibilidade concreta, porque significaria o comprometimento com um poder derivado. As boas razões que o Diabo poderia sugerir a Jesus para que aceitasse sua proposta (o desgoverno, a miséria, etc) não o cegaram para o fato de que há dois tipos de corrupção:
1- A clássica, de usar o poder para se enriquecer ou conseguir outros benefícios;
2- a mais sutil, a de fazer do próprio poder um ídolo (com melhores intenções, claro).
Um conhecido exemplo é o de Robespierre na revolução francesa: "era incorruptível, no sentido clássico acima, mas se julgava indispensável ao processo, justificando assim o uso dos meios duvidosos para se manter.
O indispensável, o iluminado, o grande líder (e também todas as vanguardas), também são corruptos.
Mas Jesus é aquela ave mais rara de todas: um indispensável que é convidado a assumir o poder, mas que se indispõe com todos os mediadores e só aceita o poder da mão de Deus!
OBS- Um acréscimo do blogueiro:
"COMO SERIA BOM SE NÓS, OS CRISTÃOS, FÔSSEMOS IMITADORES DE JESUS, E PUDÉSSEMOS ASSIM COMO ELE, SOMENTE ACEITAR O PODER DA MÃO DE DEUS"!
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Retirado do livro NEM MONGE, NEM EXECUTIVO [editora ultimato, 2011]
Este trecho foi publicado primeiramente na revista Ultimato número 349, página 48/49.
PAUL FRESTON, inglês, naturalizado brasileiro, é professor colaborador do programa de pós graduação da em sociologia na Universidade Federal de São Carlos.
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