sábado, 20 de setembro de 2014

A TENTAÇÃO POLÍTICA E A ÉTICA DA RENÚNCIA!



O DIABO DISSE A JESUS:"SE ME ADORARES, TUDO SERÁ TEU"!


                 A segunda tentação de Cristo é uma espécie de visão (não há montanha da qual se possa ver todos os reinos da terra), talvez provocada pela vista do pico de uma montanha real.
Tente visualizar a cena
                                             "O deserto rochoso e montanhoso, Jesus subindo um morro, arrastando-se sobre as rochas, chegando ofegante em cima. A vista é espetacular; lá em baixo, várias cidadezinhas espalhadas. Jesus olha e, de repente, em sua imaginação, vê as grandes cidades do mundo, os palácios e os templos, os reis e imperadores, o ouro e a prata, os campos, as oficinas, as minas. Agora, vê as ruas cheias de gente, oprimida, miserável, supersticiosa.
Então, em sua mente, vem a sugestão:
                                                                              "Jesus está vendo aquelas cidades lá em baixo? De direito, você é quem teria autoridade sobre elas. E não só sobre elas. Pense também em Jerusalém, Damasco, Antioquia, Alexandria, Atenas, Roma...
Você não seria um governante mais justo? 
Não teria idéias para dar paz e  prosperidade a esses povos? 
O mundo clama pelo seu governo. Você é a resposta! [Sofremos muito na igreja por não entender como o "diabo" é um bom crente.] Mas o caminho da cruz é lento, muito lento. A maioria não vai nem entender direito. 
Não faz mais sentido pensar em um caminho mais rápido e mais compreensível para a maioria?
Veja, há um caminho. Não vou exigir que você me adore publicamente. Só que você deixe de lado essa ideia da cruz. E você sabe muito bem que eu tenho o poder de fazer com que você seja reconhecido como governante. Os povos precisam. A cruz é lenta"!
O Diabo vai falando ritmicamente como se batendo em um tambor:
"Os povos precisam. A cruz é lenta. Os povos precisam. A necessidade é urgente. O desgoverno é um escândalo. Considere minha proposta. Pense bem. Curve-se. Só um pouco. Curve-se..."!
Jesus atormentado, fecha os olhos, cerra os punhos. Finalmente grita: "não"!             O Diabo se cala. Em agonia, Jesus gagueja: "Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto"!
Ultimamente, uma nova teologia vem ganhando espaço no meio evangélico, oriunda da direita cristã dos Estados Unidos, com o lema:"Nosso destino é governar as nações". Dizem que a Bíblia promete aso cristãos o domínio político sobre todas as nações. Sua ideia de de uma sociedade cristã é uma mistura de teocracia com darwinismo social [a sobrevivência dos mais aptos]. Segundo um defensor dessa linha, "as sociedades chamadas subdesenvolvidas o são porque são socialistas, demonistas, e amaldiçoadas". Criticando o dispensacionalismo (com sua doutrina do arrebatamento) como uma escatologia derrotista, afirmam que os cristãos serão co-governantes com Cristo.
                  O problema com esse enfoque, embora tenha a grande virtude de questionar a escatologia escapista do dispensacionalismo, é que confunde "alhos com bugalhos".
                  O modelo do cristão é o modelo de Cristo em sua primeira vinda, o modelo da cruz e do serviço humilde, e a glória reconhecível que Cristo terá em sua segunda vinda não dispensa esse modelo, apenas revela que o serviço é, de fato, o verdadeiro governo.
A questão essencial no tocante ao poder não é a sua posse ou não. Jesus sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria o poder, porém, a questão é QUANDO E COMO, E COM QUE MENTALIDADE, [triunfalista ou serviçal]. Os cristãos que dizem que o poder nos pertence, de direito, aqui e agora, estão aceitando o atalho que o Diabo oferece a Jesus, ou seja, GOVERNO SEM CRUZ. Acham que o cuidado que Jesus precisou ter para não sucumbir a essa tentação não é necessário para eles. O caminho deles pode ser mais curto do que o de Jesus. Além do mais, "os povos precisam..." 
Oramos para que Deus facilite nosso caminho e nosso ministério, não atentando para o detalhe de que o caminho fácil possa ser uma tentação a ser resistida!
O Diabo diz que a glória dos reinos "me foi entregue e a dou a quem eu quiser". Muitas vezes o Diabo é chamado o príncipe deste mundo [por ex:João 12.31], mas em ultima análise essa reivindicação é falsa. O "mundo" (no sentido da sociedade humana organizada em oposição aos valores do reino de Deus) se entrega ao Diabo, porém o mundo (no sentido de mundo habitado) continua sendo objeto do amor e da ação de Deus.
                 Na frase a glória me foi entregue, o Diabo é obrigado a confessar o caráter derivado do seu poder. Mas que absurdo adorar um poder derivado! O homem sempre se "prostra" diante de algo -- ou diante da fonte do poder, ou diante de um poder derivado. O Diabo não explica quem lhe deu esse poder; se explicasse, a tentação cairia no ridículo. No discurso do Diabo há sempre um ponto além do qual ele não quer que a lógica seja levada. A resposta do cristão é de ser  mais lógico que o Diabo, perpetrando as suas mistificações. 
                   O Diabo oferece poder e glória, um cardápio atraente! 
Poder: a capacidade de desenvolver meus projetos, as minhas ambições. O cristão tem a promessa do Reino de Deus, quando vier na sua plenitude, como esfera para o exercício de dons e responsabilidades; porém, neste caso a tentação é a de antecipar-se. 
Glória: o reconhecimento que almejo, em parte para me gabar e em parte para me justificar a minha existência perante Deus e as pessoas. O caminho da cruz inclui a crucificação do desejo de ser reconhecido e respeitado. 
                  E o Diabo oferece tudo isso em troca de QUÊ? Apenas de um gesto de adoração privada. Isso mostra a importância da adoração na agenda do Diabo e lança luz sobre a proibição taxativa na Bíblia de qualquer forma de espiritismo ou ocultismo. A adoração a Deus não pode ser combinada com outras adorações. Tem de ser singela. Afinal, o Diabo oferece tudo a Jesus -- e mesmo assim, acha que vai fazer um bom negócio.
                     A tentação de Jesus é POLÍTICA. O Diabo oferece todos os reinos  [ o império Romano?]. Em termos concretos, como é que Jesus, o homem no deserto, imaginava que poderia se tornar rei de toda a terra? Qual o mecanismo sociologicamente observável que possibilitaria o cumprimento da palavra do Diabo? 
            Obviamente, para o homem Jesus, tinha de haver uma plausibilidade  na tentação, senão, não seria uma tentação real. As mesmas palavras do Diabo para mim não seriam tentação, mas motivo de riso. O fato é que Jesus poderia fazer uma carreira política e justificá-la com as melhores razões. Mas ele renuncia a essa possibilidade concreta, porque significaria o comprometimento com um poder derivado. As boas razões que o Diabo poderia sugerir a Jesus para que aceitasse sua proposta (o desgoverno, a miséria, etc) não o cegaram para o fato de que há dois tipos de corrupção: 
1- A clássica, de usar o poder para se enriquecer ou conseguir outros benefícios;
2- a mais sutil, a de fazer do próprio poder um ídolo (com melhores intenções, claro). 
          Um conhecido exemplo é o de Robespierre na revolução francesa: "era incorruptível, no sentido clássico acima, mas se julgava indispensável ao processo, justificando assim o uso dos meios duvidosos para se manter.
           O indispensável, o iluminado, o grande líder (e também todas as vanguardas), também são corruptos.
                Mas Jesus é aquela ave mais rara de todas: um indispensável que é convidado a assumir o poder, mas que se indispõe com todos os mediadores e só aceita o poder da mão de Deus!

OBS- Um acréscimo do blogueiro:
                                                          "COMO SERIA BOM SE NÓS, OS CRISTÃOS, FÔSSEMOS IMITADORES DE JESUS, E PUDÉSSEMOS ASSIM COMO ELE, SOMENTE ACEITAR O PODER DA MÃO DE DEUS"!

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Retirado do livro NEM MONGE, NEM EXECUTIVO  [editora ultimato, 2011]

Este trecho foi publicado primeiramente na revista Ultimato número 349, página 48/49.

PAUL FRESTON, inglês, naturalizado brasileiro, é professor colaborador do programa de pós graduação da em sociologia na Universidade Federal de São Carlos.






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domingo, 14 de setembro de 2014

OS SEIS DIAS DA CRIAÇÃO!





A ORDEM DA CRIAÇÃO EM SEIS DIAS NÃO APRESENTA INTERVALOS DE TEMPOS, MAS CONEXÃO DE CAUSAS.”

      Os tempos começaram a decorrer com os movimentos da criatura criada. Por isso, em vão se procuram os tempos antes da criação, como se fosse possível encontrar TEMPOS antes dos TEMPOS. Com efeito, se não houvesse movimento da criatura espiritual ou corporal, pelo qual o futuro sucederia ao passado passando pelo presente, não haveria o tempo absolutamente.
A CRIATURA CERTAMENTE NÃO PODERIA MOVER-SE, SE O TEMPO NÃO EXISTISSE. Portanto, melhor se dirá que o tempo começa pela criatura antes que a criatura pelo tempo; mas ambos procedem de Deus. [Porque tudo é dele, por ele e nele] – conforme está escrito na carta aos romanos –
     Mas não se interprete o que foi dito: O TEMPO COMEÇA PELA CRIATURA, como se o tempo não fosse criatura, pois o tempo é o movimento da criatura de um lugar para outro com a sucessão das coisas conforme a ordenação de Deus que administra tudo o que criou. Por isso, quando pensamos na primeira criação das criaturas, de cujas obras Deus descansou no sétimo dia, não devemos imaginar aqueles dias como estes dias solares, e nem a ação do mesmo modo como Deus efetua alguma coisa no tempo. Como realizou todas as coisas ao mesmo tempo, proporcionando-lhes a ordem não por intervalos de tempos, mas pela conexão das causas, de modo que as coisas criadas ao mesmo tempo recebessem seu acabamento no número daquele dia decorrido seis vezes.
Certamente a matéria informe e capaz de se formar, tanto a espiritual como a corporal, da qual se faria o que haveria de ser feito, foi criada antes, não pela ordem temporal, mas pela causal, visto que, antes de ser instituída, não teria existido. Sem dúvida, não foi instituída a não ser pelo supremo e verdadeiro Deus, pelo qual tudo existe, quer seja significada pelos nomes de céu e de terra, ela que foi feita no princípio anterior daquele único dia que Deus criou, e por isso foi chamada assim porque daí foi feito o céu e a terra, quer pelo nome de terra invisível e vazia e de abismo tenebroso, como já falei no primeiro Livro.
        Entre as coisas que foram formadas da informidade e são denominadas com mais clareza criadas ou feitas ou efetuadas, o dia foi feito em primeiro lugar. Com efeito, era preciso que  obtivesse  a primazia da criação aquela natureza que fosse capaz de reconhecer a criatura por meio do Criador, não o Criador por meio da criatura. No segundo dia criou o firmamento, do qual começou o mundo corpóreo. No terceiro, as espécies do mar e da terra e, na terra, em potência, por assim dizer, a natureza das ervas e das árvores. Assim, a terra as produziu pela palavra de Deus antes de serem nascidas, recebendo todas elas suas medidas, as quais a terra desenvolveria no decorrer dos tempos segundo sua espécie.
 Em seguida, depois de ter sido criada esta, como que morada das coisas, no quarto dia foram criados os luzeiros e os astros, a fim de que a parte superior do mundo fosse a primeira a ser adornada com as coisas visíveis que se movem dentro do universo. No quinto dia, a natureza das águas unida ao céu e à atmosfera produziu, mediante a palavra de Deus, seus habitantes, ou seja, todos os que nadam e voam, e estes, potencialmente com suas medidas, desenvolver-se-iam mediante os movimentos adequados dos tempos. No sexto dia, de modo semelhante, criou os animais terrestres, como os últimos procedentes do último elemento do mundo, também potencialmente, e cujas medidas o tempo desenvolveria posteriormente de forma visível.
Aquele dia tomou conhecimento de toda esta ordem da criação ordenada e, mediante este conhecimento, apresentado como que SEIS VEZES, perfez como que SEIS DIAS, embora fosse um ÚNICO DIA, conhecendo as coisas criadas primeiramente no Criador e, em seguida, nas mesmas coisas. Não se fixando nelas, mas referindo o conhecimento das obras à glória de Deus, mostrou a tarde, a manhã e o meio-dia em todas elas, não em intervalos de tempos, mas na ordem das coisas criadas. Finalmente, fazendo presente o conhecimento do descanso de seu Criador, pelo qual descansou em si mesmo de todas as suas obras e no qual não existe tarde, mereceu por isso ser abençoado e santificado. Por isso, a Escritura recomenda e, a Igreja reconhece o referido número sete como que dedicado ao Espírito Santo.
Este é o livro da criação do céu e da terra, porque no princípio Deus fez o céu e a terra conforme certa, por assim dizer, “formabilidade” da matéria que depois, por sua palavra, deveria ser formada. Esta “formabilidade” precede sua formação não pelo tempo, mas pela origem.
Certamente, ao ser formada, primeiramente foi feito o dia e, quando foi feito o dia, Deus fez o céu e a terra e toda a verdura do campo, antes de existirem sobre a terra, e todas as ervas do campo, antes de nascerem, como falamos antes; a não ser que algo pôde ou possa ser percebido e dito com mais clareza e propriedade. 
<<<<< Capítulo V do Livro V, obra: “COMENTÁRIO AO GÊNESIS” volume 21 da Coleção Patrística da Editora Paulus, 1ª edição, 2005   1ª reimpressão, 2012 >>>>>>.


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