sábado, 9 de novembro de 2013

MIL ANOS ANTES DE CALVINO: A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO
















MIL E SEISCENTOS ANOS DE DISCUSSÃO!

Nestes últimos anos a controvérsia teológica entre Calvinistas e Arminianos se acirrou de uma maneira tão deprimente, que existem momentos onde o sentimento demonstrado dá a impressão de estarmos assistindo ao conflito entre as famílias Hartfield's e Mac Coys, tal é o nível das ofensas, e dos ataques desferidos. Este embate acontece principalmente entre os "neos" de ambas as partes, e pelas declarações, a impressão captada é que a maioria não conhece devidamente os porquês, assim como a historia real dos fatos, a origem da doutrina da predestinação, e os primeiros embates.
 O foco deste artigo, e dos outros que serão publicados posteriormente, - sob o título de MIL ANOS ANTES DE CALVINO - é lembrar aos "arminianos", que Calvino não tem nada a ver com esta briga, não merecendo, portanto ser o alvo da vossa poderosa artilharia, e lembrar aos "calvinistas" que não pertence a Calvino a patente da criação da doutrina, não havendo, portanto motivo para a jactância que lhes tem sido peculiar.

A PREDESTINAÇÃO DOS SANTOS
Tanto "A Predestinação dos Santos", como "O Dom da Perseverança" pertencem ao rol dos últimos escritos de Agostinho. Os dois tratados foram redigidos após 429, ano em que escreveu as "Retratações".
Em Predestinação dos Santos, Agostinho defende a verdade da predestinação e da graça contra os semipelagianos, pois, estes sustentavam que o princípio da fé se deve ao próprio crente, e os outros dons eram consequências deste mérito precedente. Agostinho tenta desconstruir o discurso semipelagiano demonstrando que os dons posteriores são dados gratuitamente por Deus, assim como também o início da Fé. Até o ano 397, Agostinho não entendia como necessário uma graça interior no apelo à salvação, porém ele confessou que corrigiu esta concepção, sobretudo, a partir do testemunho de Paulo: "Que tendes que não tenhais recebido?".
Naquela época, a maior parte dos padres teólogos se inclinava a ligar o batismo com a perseverança final, de modo que todos os cristãos possuíam a certeza da salvação. A exceção eram os heréticos, os dissidentes e os apóstatas. Devido a este entendimento, Agostinho em suas homílias e em vários tratados apresenta a ideia de que um cristão possa não alcançar a salvação. Desta forma, ele uniu o problema da predestinação ao da perseverança final. Em consequência do pecado original, a humanidade foi consignada à condenação, mas Deus, desta massa de perdição salva aqueles que Ele destinou à salvação, e estes serão salvos infalivelmente. A quantidade dos eleitos foi fixada desde a eternidade, com Deus rejeitando positivamente os outros. Ele permite que, em vista dos pecados estas pessoas rejeitadas se entreguem livremente à danação.
Ao rever sua posição anterior - quando pensava como os semipelagianos - Agostinho passa a atribuir à onipotência da graça divina a exclusiva e primeira iniciativa da salvação. Por este juízo, o homem não está em condições de querer nada, a menos que Deus assista nele este querer: o ser bom, ou o ser mau!  Fé e incredulidade, o bem estar extremo e condenação são remetidos à vontade divina de tal modo que, por motivo da não condição de indecifrabilidade da eleição divina por graça, são salvos somente os eleitos tirados da massa da perdição, enquanto outros homens por causa da permissividade de Deus perdem-se eternamente. Eles não são objetos de injustiça de Deus, porque nenhum homem após o pecado tem direito à salvação.
Através destas afirmações, Agostinho ensina uma vontade de Deus salvífica limitada, e diz que se deve ter por firme que Deus é absolutamente justo, mesmo que não se possa ter uma explicação possível desta justiça. Após o ano de 421, Agostinho ensinou que Deus destinou à salvação apenas aqueles que efetivamente alcançam a salvação, enquanto os outros são predestinados ao eterno aniquilamento.
É importante saber que Agostinho jamais mencionou a doutrina segundo a qual "Deus quer que todos os homens se salvem". [1 Tm 2,4.]

CONSEQUENCIAS DA DOUTRINA DE AGOSTINHO NA HISTÓRIA DA IGREJA:
Desde o início a doutrina agostiniana enfrentou oposição já que era contrária ao pensamento dominante da salvação universal. Embora, a doutrina da predestinação houvesse sido aceita pela igreja ocidental, rapidamente se tornou uma fonte de desentendimentos.
No século IX o monge Godescalco (Gottzchalk) do mosteiro de Fulga suscitou uma nova controvérsia, e nesta foram envolvidos os sínodos de Mongúncia em 848 e de Quiercy em 849. Os dois sínodos condenaram a doutrina proposta por Godescalco, que defendia uma dupla predestinação: tanto a salvação quanto condenação são determinadas para cada pessoa desde o nascimento, não havendo por parte de Deus qualquer vontade de salvação universal.
<<<< para muitos a doutrina de Godescalco foi a inspiração para o supralapsarismo de Teodoro de Beza >>>.
No ano de 860 o sínodo de Toucy na Lorena tentou encerar o debate sobre a predestinação afirmando que se devia ensinar que há uma vontade de salvação universal em Deus, e uma redenção que atinge todos os homens.
No período após o concílio de Trento duas escolas teológicas tiveram um embate sobre a predestinação. Enquanto a escola molinista realçava a liberdade do homem considerando que a predestinação dos adultos à vida eterna seguia a previsão dos méritos, a escola de Bañez destacava a gratuidade absoluta da predestinação, à glória e a eficácia intrínseca da graça.
No século XVI o foco recaiu sobre os reformadores Lutero e Calvino. Os dois seguindo Agostinho afirmaram e defenderam a posição de que uns são eleitos, e, outros rejeitados desde a eternidade.
Neste mesmo período no lado católico surgiu na Bélgica, Cornélio Jansens, professor de teologia em Lovaina, e mais tarde bispo em Ypres. Ele não concordava que a doutrina de muitos escolásticos de renome estivesse tão afastada daquela de Agostinho sobre pontos capitais como a graça e o livre arbítrio. Por isso tentou desenvolver a fundo as idéias de Agostinho escrevendo até a véspera de sua morte a obra AUGUSTINUS.
Os principais pontos defendidos são:
 1- a natureza humana depois do pecado original ficou inteiramente despojada da graça tornando impossível ao homem observar todos os mandamentos divinos.
2- O pecado original tirou a liberdade de querer, e tornou o homem incapaz de qualquer bem, inclinando-o necessariamente ao mal.
3-Cristo ofereceu aos homens a graça da salvação, mas não morreu por todos, e sim para uns poucos eleitos. 
4-A predestinação é, pois, gratuita, e precede a qualquer ato de nossa vontade. 
5- O verdadeiro bem deriva, portanto da graça eficaz que Deus concede aos predestinados. 
6- A graça de Deus é irresistível, mesmo à natureza humana totalmente corrompida.

Estas proposições ou afirmações negavam a vontade salvífica, operante e universal de Deus, e por esta causa foram condenadas em 1653 pelo papa Inocêncio X.
 Conclusão:
Se analisarmos sem paixões, sem venerações, a historia da teologia cristã nos últimos 1600 anos, não será difícil concluir que a doutrina da predestinação sempre esteve presente no cardápio principal, e que sempre houve controvérsias. Uns acrescentaram, outros suprimiram alguns pontos, mas o esqueleto é o mesmo formulado pelo bispo de Hipona no final do século IV, e início do século V.
Diante destes fatos também se pode afirmar que ninguém precisa ser “calvinista” para aceitar a predestinação, ou ser “arminiano” para não aceitá-la.
Em meu parco e reles entendimento creio que Deus em sua soberania salva, justifica e glorifica os que elegeu, independente de serem devotos de Calvino ou de Armínio.

“Quando existem ciumeiras e brigas entre vocês, será que isso não prova que vocês são pessoas deste mundo e fazem o que todos fazem? Quando alguém diz: EU SOU DE..., e outro: EU SOU..., será que assim não estão agindo como pessoas deste mundo?”

Bibliografia:
- Teologia Sistemática Histórica e Filosófica de Alister McGrath
- A GRAÇA (II) << A predestinação dos santos: Santo Agostinho >> - Coleção Patrística



Um comentário:

  1. Uma verdade que todos precisam saber, pois imaginam que Calvino era responsável por levantar esse questionamento, e vamos embora sendo sal mano!

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