segunda-feira, 16 de maio de 2016

"AUTOBIOGRAFIA DE DE HUGH TUCKER!"



CAPÍTULO XII

                                               

 Social Service

Fr
Frequentemente me perguntam quando e como me tornei interessado no moderno “evangelho social”. 
A pergunta não pode ser respondida, pois tal interesse é inseparável do desenvolvimento de minha atitude cristã e minha carreira desde o início. As crianças pobres de algum país imigrante, nossos vizinhos, em nossa escola do interior, não tinham o suficiente para comer e eu instintivamente sabia que deveria repartir minha merenda com eles. Eu testemunhei as devastações da guerra civil e subsequente desorganização da sociedade e o sofrimento do povo. Em Nashruille, durante um ano e meio eu auxiliei os pobres trabalhadores empregados nas fabricas industriais. Lá eu também encontrei as necessidades e problemas dos negros através da Universidade Fish. Não me ocorreu que a religião que eu professava e sobre a qual pregava, não tivesse mensagem ou aplicações para os problemas com os quais eu entrava em contato diariamente. Nunca concebi religião exclusivamente em termos de “outro mundo”.
           Quando cheguei ao Brasil, encontrei problemas sociais de natureza muito mais séria. A escravidão ainda predominava, e as concepções modernas de humanizações estavam ausentes em setores como saneamento, saúde pública, cuidados com as crianças e tratamentos dos criminosos. 
           As condições eram muito mais primitivas do que qualquer coisa que eu  havia conhecido nos Estados Unidos, especialmente no interior. Alguém com meu “leachgnound” e treinamento não podia deixar escapar a convicção de que como um ministro cristão, eu havia sido chamado a fazer alguma coisa a respeito disso. 
      Quando mais tarde eu li os trabalhos de Rauschenbush sobre o evangelho social, minhas ideias se clarificaram e se aprofundaram minhas convicções, mas elas não acrescentaram nada essencialmente novo.
         Em 1880 sofri um ataque de febre amarela. Miss Epanbery com quem eu casaria, contraiu a doença no mesmo ano. Quatro anos mais tarde nossa pequena filha sofreu da mesma doença. Alguns dos missionários que me precederam e também alguns colegas haviam contraído a doença. 
Os que receberam maiores cuidados sobreviveram, porém muitos outros foram enterrados vitimas da devastação deste flagelo. 
Febre amarela não era a única epidemia no Brasil. A varíola frequentemente se espalhava pela comunidade; a média de mortes por tuberculose era quase tão alta quando a da febre amarela e estava sempre crescendo. As doenças venéreas eram comuns, e a mortalidade infantil era alta atingindo níveis alarmantes; milhares de leprosos se misturavam livremente com a população em geral.
Pouco ou nada estava sendo feito a respeito destas coisas. Saneamento e método de combate, ou eram desconhecidos ou negligenciados. A atitude de oficiais e do público em geral era de fatalismo desanimador; eles encaravam estas devastações como sinais divinos e se satisfaziam em deixar a situação para a providência.
Não havia no Rio de Janeiro hospitais com enfermeiras treinadas para a comunidade estrangeira. Meu amigo Mr. A. J. Iamoureux, editor do “Rio Nws” tinha chamado a atenção para a necessidade de tal instituição, mas nada estava sendo feito a respeito. Pareceu-me ser parte de meu dever, e apesar de minhas relações e influência serem limitadas resolvi tomar a iniciativa.
Certa manhã caminhava pela Rua General Câmara (antes Rua do Salão) próxima a casa de um cavalheiro inglês, Mr. P. S. Nicholson e apresentei a ele uma lista de subscrições que tinha preparado. Fui cordialmente recebido e encorajado.
         Mr. Nicholson e outros desenvolveram um plano de ação, e conseguiram os fundos necessários para que fundássemos o Hospital dos Estrangeiros e trouxéssemos da Inglaterra enfermeiras treinadas.
Em 09 de janeiro de 1893 realizamos a cerimônia de inauguração na presença de um grande número de pessoas da comunidade de língua inglesa, e de um grupo de médicos brasileiros e dignitários. Fui membro da junta de Diretores, e por 20 anos o presidente. Hoje sou o único membro sobrevivente da Junta.
          O Hospital dos Estrangeiros proporcionou uma contribuição pioneira para o desenvolvimento do serviço de enfermagem adequado, e por 50 anos tem estado a frente da ciência médica. Ele estimulou a organização dos serviços médicos no Brasil em sua totalidade.  
               A necessidade de um hospital protestantes estava sendo sentida e minha iniciativa e participação na fundação do Hospital dos Estrangeiros despertou o interesse que levou à fundação da Associação do Hospital dos Evangélicos, do qual me tornei um membro provedor, e desde então tenho servido como presidente e tesoureiro. O projeto foi coroado de sucesso e o hospital foi construído numa base inteiramente denominacional. 
Ele não somente prestou um importante serviço médico, como também ampliou a esfera de aço e de influência do movimento protestante ajudando a criar um espírito de cooperação.
   Mas o que podia ser feito a respeito da temível devastação da febre amarela? Em 1901 o primeiro raio de luz apareceu quando eu li a respeito das investigações levada a efeito em Cuba, e os notáveis resultados que foram conseguidos pelos doutores Walter Reed, Carlos J. Finley, Jesse Lazear, ª Agromante e James Carroll. Naquele ano Mrs. Tucher e eu assistimos uma Conferencia Ecumênica em Londres, e no nosso retorno visitamos os Estados Unidos. 
Através dos pais de Mrs. Tucher, Bispo e Mrs. Epanbery, nós encontramos Mrs. Blincol, irmã do Dr. Reed a quem nós relatamos nossas experiências não só como vitimas da febre amarela, mas também como enfermeiros de outras vitimas. Não foi possível, na época arranjar um encontro com Dr. Reed, mas Mrs. Blincol se prontificou a apresentar nossos desejos para ele. Pouco depois de retornar ao Brasil, recebi uma carta do Dr. Reed, na qual ele expressava interesse em nossos problemas e oferecia cooperação completa. Ao mesmo tempo mandou cópias da literatura então encontrada, incluindo “A Etiologia da Febre Amarela” e “observações e pesquisas”.
Nesta época o Dr. Osvaldo Cruz distinto médico e cientista que se tornaria famoso por erradicar a febre amarela no Brasil, era presidente da junta Médica Publica. Transmiti a ele as cartas e os documentos enviados pelo Dr. Reed. Também consegui em Washington literaturas de mais pesquisas, e por dois anos correspondi fervorosamente com o Dr. Reed e seu sucessor, Dr. Carroll, e entregava as cartas ao Dr Cruz que as mandava traduzir, e as publicava.
O Dr. Cruz delineou um plano de ação, e organizou uma campanha contra a febre amarela. Por minha sugestão publicou um folheto indicando o que era necessário, em matéria de cooperação pública e colocou-o em todas as casas da cidade. 
Eu não posso, adequadamente, mostrar a dificuldade enfrentada pelo notável medico quando ele começou a campanha de erradicação da doença. Seu cargo, por exemplo, era uma nomeação política, e só podia assumir o trabalho se lhe fosse assegurado que a política não interferiria em seus planos e em seu mandato oficial por um bom período. Foi assim que ele explicou para as autoridades, e foi capaz de obter as requeridas garantias. Minha parte foi somente à correspondência com a América e a transmissão das cartas, além de matérias com palavras de encorajamento ao Dr. Cruz.
 Mas isto me deu prazer e um sentimento de gratidão por ter podido cooperar no que eu via, como uma aplicação do Evangelho de meu Mestre às necessidades de uma grande raça.
Os mosquitos mortíferos tinham infestado a cidade em 1849. As condições e os hábitos do povo favoreciam a reprodução, portanto, o problema era destruir o local de reprodução e as fontes de suprimento. Desde o início das construções tinha sido costume cercar os lotes e as casas com muros e sobre eles eram colocados uma mistura de cimento, cacos de garrafas quebradas, e pedaços de vidro. 
A água contida nos pequenos receptáculos destas paredes era uma fonte prolífica de insetos. Dr. Cruz ordenou que aquela mistura com os cacos de garrafa e os pedaços de vidro fosse retirada de todas as construções e as substituíssem por com cimento liso. 
Latas velhas, assim como  lixo em quintais e lotes vazios foram removidos. 
Pano roto e entulhos que eram atirados de prédios mais altos para os adjacentes de tetos mais baixos absorviam água e favoreciam a reprodução de mosquitos. Capim e ervas cresciam nos tetos de edifícios. Para conseguir a aprovação e cooperação do povo no ataque a todas essas coisas requeria muita habilidade e paciência.
Centenas de trabalhadores em todas as partes da cidade reembocavam paredes, limpavam os telhados, varriam as ruas e coletavam lixo. Homens ou sinais avisavam os pedestres a evitar as áreas onde os trabalhos estavam sendo efetuados e o lixo acumulado. Era necessário entrar em propriedades particulares para matar os mosquitos nos sótãos e lugares úmidos e escuros dos edifícios. Certa ocasião nossos vizinhos ficaram em nossa casa enquanto sua casa estava sendo desinfetada, depois nós ficamos na casa deles enquanto a nossa passava pelos mesmos processos severos e completos.
Dr. Cruz iniciou sua campanha em 20 de abril de 1903. Naquele ano houve 584 mortes de febre amarela. No ano seguinte houve só 84 mortes. Em 1908 houve 5 mortes, depois do que a doença foi declarada erradicada da capital do Brasil. 
 Em suas cartas o Dr Carrol sucessor do Dr Reed, já falecido, deu-me o prazer de transmitir não só esta mensagem “Eu me congratulo com vocês de todo coraçãopela luta contra a febre amarela”, como muitas outras mensagens de congratulações dos Estados unidos para o Dr. Cruz e seus associados que haviam vencido a batalha.
    O sucesso desta campanha contra a febre amarela atraiu a atenção do mundo inteiro, e deu um novo ímpeto ao notável esquema de saneamento e de melhorias propostas pela administração do Presidente Rodrigues Alves.  
Numa área de ruas estreitas e congestionadas  que se estendia através do centro comercial até o cais da Prainha, à margem d’água, do Boqueirão do Passeio, 590 edifícios foram demolidos abrindo o caminho para a moderna e popular Avenida Rio Branco, que se constituiu na principal via de escoamento através da cidade. Um paredão junto ao mar de 3 milhas de comprimento foi construído, e o Morro do Senado foi demolido e o lixo jogado atrás do paredão para permitir uma nova área de edifícios de muitos milhares (Squase Yards). 
                Assim foi o inicio do desenvolvimento moderno do Rio, mas estes melhoramentos não cobriram toda a cidade. Milhares de trabalhadores vieram de todas as partes do Brasil e se assentaram numa área já superpovoada, ou seja, nas encostas dos morros e outros locais próximos. Os belos prédios previamente destinados a ser ocupados por pessoas prósperas tornaram-se cortiços superlotados e lá se desenvolveram os "bairros cortiços", nos quais as condições de vida eram na maioria das vezes indescritíveis.
            Nas tardes de domingo, eu frequentemente andava por estas ruas e becos repletos de pessoas observando as faces e os movimentos de homens, das mulheres e das crianças, pedindo a Deus que eu pudesse achar uma maneira de fazer alguma coisa para melhorar suas condições.
Eu era o Secretario da Sociedade Bíblica, e então enviei colportores para aquela zona para distribuir cópias da Bíblia, e em resposta recebi alguns relatórios interessantes. Um dos colportores me pediu para ir com ele a certo lugar na hora do almoço. Lá encontramos um grupo de 42 trabalhadores sentados em tábuas de madeiras, pedras, ou no chão. Um dos homens sabia ler e após ter comido rapidamente seu lanche, leu em voz alta para os que comiam mais devagar o Novo Testamento. Esta foi a rotina diária até que todo o Novo Testamento houvesse sido lido. Então perguntaram ao colportor se ele recomendaria outro livro, e ele o recomendou. Mas em nossa visita seguinte fomos informados de que os homens não gostaram do segundo livro como do primeiro, e então eles estavam lendo o Novo Testamento do começo ao fim.
              Meu interesse nesta zona aprofundou-se e eu resolvi arranjar um lugar para reuniões, instituição e serviços gerais. Consultei os missionários e fui informado que as juntas não poderiam ajudar. 
Apresentei a situação para alguns amigos e realizamos alguns encontros, em intervalos regulares por vários meses, porém não conseguimos formular um plano de ação. 
Um dia recebi uma carta de Mr. C. Hlay Walher residente em Londres, que era para mim um desconhecido, porém sua firma era a encarregada pela remoção do Morro do Senado e pela construção do cais do porto. Ele havia ouvido a respeito da minha atitude em doar Bíblia aos seus trabalhadores, e por esta razão sugeriu que sua companhia se prontificasse a procurar meu escritório no Rio de Janeiro e oferecesse uma ajuda. Em uma visita ao meu grupo de amigos, o emissário da empresa me disse: “tenho esperado por você por vários dias”, e acrescentou: “tenho ordens para entregar-lhe 250 pomadas”. Esta era uma quantia muito maior do que eu esperava, mas além dela, Mr. Walher e sua esposa contribuíram também com quantia semelhante por sete anos, até que fosse completado o trabalho sob sua direção.
Consegui um salão, comprei cadeiras, uma mesa e enviei convites para as pessoas virem assistir a pregação inicial de um sermão na tarde do domingo, 13 de maio de 1904, o aniversário da assinatura da Lei Áurea. 
Mais de 225 pessoas encheram o pequeno salão, e foi assim que começou a "Missão central do agora Instituto Central do Povo", que através dos anos tem expandido seu trabalho e tem se tornado o mais importante centro social protestante em todo Brasil.
O Instituto Central do Povo ficava localizado próximo do cais do porto, onde marinheiros de todas as partes do mundo caminhavam à toa pelas ruas, enquanto seus navios estavam ancorados, já que não havia missão ou abrigo para marinheiros no Rio. Esta necessidade me deixou bastante preocupado, e então me dispus a fundar uma missão para abrigar estes marinheiros.. 
Procurei auxílio das firmas de negócios, e das pessoas aqui no Brasil, e em Londres que faziam parte da Associação Britânica, e também na Sociedade de Amigos dos Marinheiros em N Y. O meu apelo recebeu apoio e ajuda de todas estas associações. Foram conseguidas salas e mobílias, e a missão dos marinheiros tornou-se uma realidade. Relatos de sua existência e de seu trabalho foram levados por marujos ao redor do mundo, e ela tornou-se uma bem conhecida instituição de caráter internacional. Por motivo de minha atividade neste aspecto convidaram-me para participar de uma conferência internacional em benefício do marinheiro e da inauguração do novo Instituto dos Marinheiros em N.Y. em 1.908.
Como um penhor pela apreciação, a Companhia Lamport e Holt e a Companhia brasileira Lo Hoyal doaram-me passagem de ida e volta para N.Y nesta ocasião.
As necessidades das massas e especialmente das numerosas crianças nas ruas e nos becos perto de nosso salão alugado, pedia um serviço muito além  do nosso programa original de pregação e distribuição de bíblias, requerendo mais espaços e trabalhadores, do que podia ser conseguido com os fundos que podíamos arranjar. Eu expus a situação para o presidente de uma grande empresa de serviço público que ficou interessado e me levou ao diretor geral a quem repeti o apelo, em resposta ele me perguntou: “Que tal dois contos de réis para você começar?”. Aquilo era $600 muito mais do que eu ousava esperar. Com isto instituímos uma escola diária, classes noturnas e um jardim de infância. Foi o primeiro jardim de infância estabelecido no Rio, e, portanto atraiu muita atenção. Estudantes de escola normal vieram para ver e aprender, e eu tenho tido o prazer de ver vários, outros jardins de infância estabelecidos sob o controle governamental. 
Os nomes de C. Hlay Walher, Si Alexander Machskenzie e F. H. Iluntrers, junto com muitos outros, cujos nomes são impossíveis de se mencionar aqui, serão para sempre lembrados por sua cooperação em tomar possível a origem e o sucesso do Instituto Central do Povo.
A proposta de sanar as necessidades, uma vez começado parecia não ter fim, e sempre surgiam mais. As condições dos dentes das crianças foi uma das primeiras necessidades apresentadas, pois, indicavam total falta de atenção e frequentemente resultavam em dor. Falei com o Dr. J. W. Coackman, que foi chamado o “Pai dos trabalhos dentários do Rio”. Além de oferecer seus serviços profissionais, conseguiu escovas e ensinou as crianças a usá-las.
Médicos foram consultados e solicitamos a eles fazer um trabalho voluntário tratando as crianças cujos pais não podiam pagar pelos seus serviços. 
Estas atitudes propiciaram a estruturação e organização de clínicas médicas e dentárias, que funcionassem permanentemente, e então publiquei no “Jornal do Comércio” um artigo sobre a necessidade de enfermeiras com prática para treinar candidatas que se dispusessem a aprender o ofício. 
O anúncio despertou algum interesse, e consegui o auxilio de uma enfermeira do Hospital dos Estrangeiros. 
Ela, juntamente ao diretor médico de nossa clinica foram os responsáveis pela ministração deste primeiro curso de enfermagem, algo nunca visto na cidade.
        Quando a Avenida Central foi aberta, e uma rua perto de nossa missão foi alargada, eu observei que centenas de crianças saíram dos becos estreitos e de seus quartos sórdidos para ir brincar na rua alargada e isto propiciou o risco de acontecer acidentes. 
Não demorou muito, e logo uma criança foi morta por um carro que passava, e com medo as outras crianças retornaram correndo para seus pardieiros. 
Visando solucionar este problema consegui uma barca de uma firma amiga, e levei 300 crianças para um "pic-nic" numa ilha. Assim que desembarcaram, eles tiraram os sapatos e se puseram a pular pela grama como carneirinhos brincalhões, e uma menininha aninhou-se ao meu lado e disse: “Esta é a primeira vez que meus pés descalços tocaram a grama verde”. Isto me fez ver a importância em ter lugares apropriados para as crianças brincarem, mas de imediato previ as dificuldades que haveria em despertar interesse por este tipo de projeto, já que era jamais proposto no Rio de Janeiro.
Comecei este novo projeto em 03 de julho de 1909, com uma publicação de um artigo no “jornal do Comércio” onde procurei mostrar a validade de haver na cidade os playgrounds modernos.
Dei prosseguimento ao projeto através de mais dois artigos semelhantes, em dezembro e fevereiro, e nestes últimos  pedi que  as autoridades se dispusessem a instalar "playground" pela cidade. 
Quando Mr William Jennings Bryan visitou o Rio em março de 1910, ele veio ao Instituto Central do Povo onde realizou uma palestra sobre playgrounds na presença de algumas pessoas representativas, a quem eu havia convidado para aquela reunião. Durante a palestra ele apelou à esposa do prefeito para que usasse sua influencia  e apoiasse a realização do projeto.
A palestra surtiu algum efeito, mas o interesse desenvolveu-se apenas em um círculo seleto, e pouca impressão causou nas autoridades. 
Fiz uma visita ao diretor de parques e jardins, pois o mesmo se orgulhava de seus parques muito bem cuidados, cercados com grades de ferro, e trancados a noite para evitar a movimentação das pessoas que passavam nas ruas, mas quando lhe expus sobre os "playgrounds", declarou que nunca tinha ouvido falar em tal coisa, e pouco se importava a respeito. 
   Viajei aos Estados Unidos, e no período que lá permaneci de abril a outubro de 1910, aproveitei a oportunidade para visitar muitos playgrounds a fim de conseguir informações detalhadas sobre eles. Quando visitei a Associação de Parques e Jardins de Recreação da América pedi algumas sugestões, e de posse das mesmas convenci a comissão das Associações Cristã de Moços a se comprometer enviar um diretor e um especialista em educação física, caso meu projeto se materializasse. Consegui catálogos de Spalding e circulares ilustradas descrevendo equipamentos de todos os tipos para playgrounds, e assim me senti preparado, pronto para recomeçar minha campanha.
        Em novembro, após minha volta ao Rio de Janeiro, o superintendente, se rendeu à minha persistência convidando-me a encontrá-lo no parque do velho Palácio Imperial, o hoje Museu Nacional. O prefeito veio em sua companhia e ao me cumprimentar sua primeira pergunta foi: “o que o senhor quer dizer com playground?” 
A resposta foi mostrar a eles o catálogo de Spolding e as circulares; descrevi o equipamento ilustrado, e discursei com toda minha eloquência sobre as necessidades e vantagens dos playgrounds. Repentinamente, e para minha grande surpresa, o prefeito apontou o dedo para um grande terreno cercado, onde uma grande árvore  propiciava uma boa sombra e me fez a segunda pergunta: “Isto servirá?” 
     Mesmo sendo distante de nossa missão e dos becos onde nossas crianças moravam, eu rapidamente respondi afirmativamente, assegurando-lhe ser ali o local designado e que não seria impossível convencer a companhia de bondes a transportar nossos meninos e meninas.
As autoridades concordaram em preparar o local e instalar os aparelhos com as despesas pagas pela prefeitura. O Diretor Geral da Companhia Elétrica Light and Pouwer comprou o equipamento, e sete negociantes forneceram os outros materiais necessários. O movimento foi um sucesso!  
A inauguração formal do primeiro playgrounds moderno para crianças no Rio aconteceu em 12 de outubro de 1911 em conexão com um feriado nacional comemorando a descoberta da América. O prefeito, o superintendente de parques e muitas pessoas importantes estavam presentes. Havia uma banda muitos discursos de congratulações, a bandeira nacional foi hasteada e as crianças cantaram o hino nacional. A Associação Cristã de Moços cumpriu sua promessa de fornecer um diretor. O playground foi aceito e apreciado como uma instituição na vida da cidade desde então.
A companhia de Gás do Rio, uma subsidiaria da Ligth and Power Company cujo presidente e o diretor geral tinha ajudado nossa empresa em expansão, em 1910 tomou providências para instalação de gás para a cozinha e para aquecimento. 
Por minha sugestão a companhia instalou os fogões do Instituto Central do Povo, como também fornos e ferros de passar roupas, e forneceu gás gratuitamente assim permitindo que estabelecêssemos um eficiente departamento de assistência e economia doméstica. 
 Dispusemo-nos a oferecer instruções para o uso dos novos instrumentos à cozinheiras enviadas por empregadores e para donas de casa interessadas. Esta atitude também fez com que muitas pessoas viessem nos visitar e assim se tornassem conhecedores das várias formas de serviços prestados pelo Instituto.
         Em muitos momentos eu caminhava ao longo de ruas sem ser visto pelas crianças, observando sua conduta ao voltarem da escola para suas casas. Em um dos caminhos usados, as crianças obrigatoriamente passavam por ruas onde havia um grande número de prostitutas; elas ocupavam quartos ao rés-do-chão, e frequentemente semi-nuas tentavam atrair a atenção dos meninos maiores através de janelas abertas. Procurei o chefe de policia, Dr. Alfredo Pinto e relatei a ele esta situação. Após ouvir o relato com atenção me assegurou que trataria o assunto com muita consideração. Ele era de Juiz de Fora, sede do Instituto Yranhery e falou com ardor do cuidado dedicado pelo colégio e pelos missionários aos assuntos que visavam a melhor condição de vida relativa aos problemas morais. Então emitiu uma ordem para que não fossem mais permitidos a presença destas mulheres nos quartos ao rés-do-chão, e após algum tempo conseguiu expulsa-las daquele distrito.
Ao consultar o Dr. Osvaldo Cruz sobre nossos planos relativos aos serviços médicos e à clinica, ele me disse: “Meu Deus! Porque você foi para aquele distrito fundar tal instituição? É a mais difícil e perigosa zona da cidade. Às vezes, o povo faz barricadas nas ruas e desafiam a policia”. 
Eu o fiz ver que o trabalho era mais necessário justamente em tal lugar, e como nosso conhecimento havia se tornado uma verdadeira amizade devido à campanha contra a febre amarela, ele se rendeu aos meus argumentos afirmando: “Farei tudo o que puder para ajudá-lo”.
             Pesquisas feitas nas proximidades da missão revelaram a prevalência da tuberculose e a falta de conhecimentos a respeito da doença. Consegui dos Estados Unidos, o cartão “Não faça isso” e o editei em português. Também consegui um bom número de slides sobre a tuberculose para que os mesmos fossem exibidos enquanto o médico da missão explanasse a respeito da doença. Eu sabia que se o embaixador americano, um homem muito popular, aceitasse assistir esta exibição, nós poderíamos contar com a presença de vários oficiais brasileiros e de vários homens de influência. O embaixador cortesmente prometeu estar presente, e assim informei ao prefeito do Rio, ao Diretor da Junta de Saúde Publica, aos profissionais da imprensa. Quase todos estes e mais 200 outras pessoas viram os slides, ouviram a palestra e receberam os cartões. Nossa campanha estava lançada com sucesso.
              Os jornais diários relataram o evento e nós fizemos uma ampla distribuição dos cartões, cujo conteúdo era composto por uma série de conselhos práticos. O Diretor da Junta de Saúde Publica, Dr. Carlos Seidl pediu que os slides fossem exibidos em "Escolas Publicas", e ao ar livre em praças públicas da cidade. Nestas exibições eu chamava a atenção para os principais fatores de expansão da doença, que era constituído pela expectoração sem os cuidados devidos, e pelo hábito das moscas caseiras, o que convenceu o departamento de Saúde Pública a imprimir e distribuir um folheto explicativo sobre o assunto desde que eu fornecesse o material.
Consegui publicações de Washington e de Londres, e com a ajuda do médico do nosso Instituto, preparei um folheto de 124 paginas intitulada “Moscas e Doenças”, que foi publicado e espalhado pela cidade aos milhares.

Principalmente entre os jovens os casos de doenças venéreas predominavam e milhares de lares estavam sendo destruídos. Fui informado de que médicos e pais não achavam que a castidade de um modo geral fosse possível, e que a repressão seria ruim para a saúde. O secretario da ACM, Mr. Myron C. Clash, e eu compramos da Associação Americana de Higiene Social um conjunto de slides e uma palestra sobre o assunto. Foi-nos dito que os slides não poderiam ser mostrados sem provocar hilaridade e fariam mais mal do que bem. Primeiramente convidamos alguns médicos, homens de imprensa e outros para uma sessão a portas fechadas. 
Alguns eram céticos e uns poucos totalmente contra, mas a maioria achou que a experiência poderia ser feita com poucos rapazes que aceitassem um convite especial. Seguiram-se resultados encorajadores e o processo foi repetido de tempos em tempos, com cuidado.
Por ocasião da celebração do centenário da Independência do Brasil em 1922, a Associação Americana de Higiene Social me enviou um telegrama para saber se seria aconselhável um dos secretários que estava vindo para o Rio, trouxesse um filme acompanhado de palestra, com o titulo “Como Começa a Vida”. Consultei dois ou três amigos brasileiros do Departamento de Saúde Publica, o Embaixador Americana e respondi “Sim”! Os slides foram exibidos no prédio da Exposição Americana que hoje é a Embaixada na Avenida Presidente Wilson, à uma audiência mista de homens e mulheres, que representavam vários círculos profissionais, de negócios e sociais, e a impressão foi muito favorável.
Três dias depois, na Rua Sete de setembro, eu fui detido por um médico amigo que havia apostado na impossibilidade e até em uma desestabilidade de nossa aventura educacional; ele pegou minha mão e disse: “Agora eu percebo o seu intento, mas nós os médicos não podemos fazer nada. Já para o senhor há a possibilidade de colocar em prática em sua missão e na ACM”. Logo vi que a ideia do projeto havia sido aceita, e que certas medidas educacionais e a publicidade foram aprovadas pela Junta Federal de Saúde. 
Poucos anos depois fui convidado a presidir uma reunião promovida pela ACM sobre um filme e palestra que combinavam aspectos dos dois assuntos acima mencionados. O apresentador seria um notável médico brasileiro o qual frequentemente me dizia que ele e seus colegas conheciam e acreditavam em medicina curativa, mas em relação as medidas preventivas criam ser somente para idealistas da fé puritana, porém em sua palestra falou com franqueza e deu conselhos científicos para cerca mil rapazes que enchiam o salão. Agora tinha se tornado um entusiasta advogado da castidade e da educação sexual. Tenho visto um notável despertar a este respeito neste quarto de século.
        Nos primeiros tempos da missão, eu falei sobre os vários males sociais e recebi uma contribuição anual de um engenheiro civil de sucesso. Ele e seus associados adquiriam riqueza como construtores e proprietários da formosa doca do café, em Santos. Através da criação da fundação Yraffee-Yuinle, uma das maiores instituições sociais existente no gênero, doaram os fundos para a construção, compra de equipamentos e manutenção de uma de clinica de tratamento de doenças venéreas. 
         Entre as atividades da missão, além dos cultos, era oferecida instrução religiosa, jardim de infância, educação primaria, aula de culinária, costura, datilografia, enfermagem, recreação, serviços médicos e dentários gratuitos, quadra para esportes e educação física, propiciando melhorias no ambiente material e moral. 
            Tivemos a alegria de ver muitos alunos convertidos, vidas reformadas, crianças e adultos seguindo em direção a uma vida intelectual moral e física de padrão mais alto, porém, não me parecia que os resultados, especialmente no caso das crianças, fossem adequados. Alguma coisa estava faltando, e então solicitei a minha filha que era professora, e suas companheiras, para investigarem a dieta das crianças. Com emoção ela relatou que, em geral, a dieta constava de café com pão pela manhã, pão, queijo e possivelmente uma banana ao meio dia, e a noite feijão preto, arroz e carne.
Constatei o espectro da má nutrição e planejei fazer algo em relação a esta carência. 
Por meio de comerciantes amigos consegui leite, farinha integral e açúcar. Obtive pratos e uma balança para aferir o peso das crianças. Após um exame e a pesagem executada pelo nosso médico, uma dieta especial foi colocada em prática. Muitas pessoas profetizavam maus resultados e declaravam que as crianças não comeriam o novo alimento, mas elas além de comeram, ainda pediam mais. Os resultados foram logo visíveis em suas faces e movimentos. Pedi a uma professora que fizesse um check-up nas notas obtidas nas provas e ela constatou um considerável progresso nas mesmas. 
Tornaram-se melhores crianças, mais obedientes à disciplina e mais dóceis ao serem dirigidas na recreação. O Diretor da Junta de Saúde Publica ao ouvir falar da experiência procurou saber mais a respeito, e eu o convidei para nos visitar. Após comer um prato de mingau de farinha integral com leite com as crianças, ele declarou ter achado muito bom. 
Hoje o cuidado com os dentes, a inspeção médica, os playgrounds e a alimentação das crianças estão se espalhando pelo Rio, como também em outras cidades no Brasil.
           Quando se celebrou em 1922 o centenário da independência do Brasil, se fez um retrospecto do primeiro século da historia nacional, e isto trouxe à luz, vividamente, as atuais condições onde ficou notória a necessidade de projetos que propiciassem um maior desenvolvimento. Uma sugestão foi a de um Congresso sobre o bem estar das crianças, o primeiro na historia do país. A comissão nomeada para comandar o programa convidou-me a preparar um documento sobre a educação física de crianças de idade pré-escolar. Este foi um novo tipo de trabalho missionário. Preparei o documento e o Congresso expressou apreciação pelos esforços e publicou o texto nos arquivos oficiais.
             Poucos anos depois foi realizado no gabinete do Presidente, sob a direção do Ministro da Saúde Publica um segundo Congresso de Bem-estar da Criança, e me pediram para preparar e apresentar um documento sobre “educação Sexual: quando e como Ensinar”. Este foi um assunto muito mais delicado e difícil, mas eu concordei e fiquei gratificado ao receber palavras de apreciação e aprovação do Congresso.
            A Junta Nacional de saúde Publica Brasileira começou em 1924 a abertura de clinicas higiênicas infantis para dar atenção especial a crianças pequenas e à suas mães, e como houve dificuldade em conseguir um prédio adequado para uma clínica perto do Instituto Central do Povo, eu propus para as autoridades médicas um acordo no qual eles usariam uma parte de nossa clinica. Após as autoridades responsáveis terem aceitado o acordo proposto, a clinica foi publicamente inaugurada no natal de 1925. Conforme o costume brasileiro houve uma cerimônia apropriada com vários discursos, e em minha fala referi sobre a feliz coincidência de inaugurarmos a clinica justamente no aniversario daquele que disse: “deixai vir a mim as criancinhas”. 
O jovem médico colocado na direção havia sido educado nos Estados Unidos e sua enfermeira assistente tinha estudado no colégio Granbery. Este trabalho em cooperação com as autoridades públicas têm prosperado por 13 anos e sua utilidade continua aumentando.
                        A lepra antiga e repugnante doença eram prevalentes em todas as regiões do Brasil. Frequentemente, em minhas viagens, via leproso pedindo esmolas pelas ruas e ostentando em seus corpos os mais avançados estágios da doença. Pouco ou praticamente nada era feito a respeito desta situação. A atitude comum de fatalismo evitava qualquer esforço. Os leprosos viviam com suas famílias, traziam crianças ao mundo e em geral se misturavam com a população no trabalho e nas ruas. Quando algumas mulheres jovens que tinham sido educadas em nossas escolas protestantes contraíram a doença, a situação foi trazida a nós, e resolvemos apelar para o sentimento publico. As autoridades, e alguns cidadãos importantes foram despertados a ponto de procurar separar crianças não infectadas dos pais leprosos, mas somente umas poucas vítimas foram segregadas. Alguns grupos isolados de mulheres se interessaram pelo bem-estar social e espiritual das crianças que haviam sido separadas dos leprosos, mas estes se constituíram em fracos começos e poucas diferenças fizeram pelo problema nacional.
Em uma Conferencia de Médicos e outras pessoas interessadas, preparada com a finalidade de aperfeiçoar uma já iniciada organização, e estender suas atividades, pediram-me para discorrer sobre o assunto de “Cooperação da Iniciativa Privada com autoridade Publica” em relação a lepra, e explicar o trabalho da Missão Americana para Leprosos. Este convite levou-me a um contato mais estreito com um grupo de notáveis cientistas, oficiais do governo e lideres sociais.
A Conferência mostrou o fato de que em várias partes do país, pequenos grupos de mulheres estavam se esforçando em ajudar os leprosos. Isto parecia oferecer oportunidade para uma organização mais ampla e ficou decidido instituir uma comissão federal para a troca de opiniões e sugestões, e desenvolver melhores métodos de trabalho. Fui honrado como membro da Junta de Conselheiros desta organização, desde o inicio. Ela cresceu em tamanho e influência e hoje tem representantes em todos os estados. O principal trabalho da comissão tem sido o estabelecimento de casas para as crianças não contaminadas pela lepra, embora também promova a criação de colônias de leprosos e hospitais para os pacientes. Estávamos sem fundos, porém assim que conseguimos despertar um sentimento social de ajuda, o Governo federal e Estadual tem financiado as operações. A comissão construiu três casas e 14 outras estão em construção enquanto escrevo esta linha.
     O oficial executivo da comissão é uma cristã protestante, Dona Eunice Weaver, a esposa brasileira de um missionário metodista americano Prof. Anderson Weaver. Trabalhando sem receber salário, ela tem viajado através do país e é agora honrada como notável autoridade leiga no problema da lepra. Fui nomeado representante brasileiro da Missão americana para os Leprosos e tenho apoiado ativamente quanto possível em vista de minhas numerosas responsabilidades. 
        D. Eunice tem visitado muitas partes do mundo, incluindo os Estados Unidos, para estudar o problema e ela foi à única mulher inscrita no programa do Congresso Mundial de Lepra, no Cairo, Egito em 1938.
        Apesar da estimativa de que haja inúmeros leprosos no Brasil internados nas colônias e hospitais estabelecidos pelo Governo Federal e de vários estados, pacientes separados recebendo tratamento adequado, e várias crianças nas casas instituídas por nossa comissão federal, até agora o problema mal foi tocado.
No geral há ainda vários leprosos se misturando com a população, muitos destes são registrados, mas uma escassa supervisão é executada. Também há milhares de leprosos desconhecidos não recenseados se misturando e infectando pessoas que lhes está próximo.
                    A Liga das Nações se interessou pelo esforço do Brasil na luta mundial contra a lepra e foram iniciadas negociações para estabelecer um laboratório de pesquisa especial no Rio. Um plano foi elaborado através da junção de forças do Comissário da Liga das nações, do Governo Brasileiro e de alguns filantropos brasileiros, e o mesmo foi assinado no Escritório Estrangeiro (Foregn Office) no Brasil.
 Fui um dos filantropos convidados a assinar o documento por motivo de meu interesse, e por ter sido um dos pioneiros na tentativa da resolução no problema. 
           Vim para o Brasil como um servo Dele, daquele que deu o comando “curai os leprosos”, e eu não podia ficar satisfeito enquanto não pudesse dizer a Ele da mesma forma como disseram os primeiros apóstolos:

                     ”OS LEPROSOS ESTÃO CURADOS"! 


Correção, transcrição e formatação por Fabio S. Faria.

https://ia800707.us.archive.org/26/items/BiografiaCopiaSedeRegional/biografia%20copia%20sede%20regional.pdf





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