sábado, 2 de maio de 2015

NOSSA MÍOPE VISÃO DE SATANÁS!

Ainda há no meio cristão, uma pujante ideia acompanhada de uma arraigada crença, de que Satanás seja um ser autônomo, cuja ação maligna é livre, desembaraçada, com total autoridade para efetuá-la onde, como, e da forma desejada. Porém, ao se examinar a Bíblia de forma um pouco mais minuciosa, será até fácil concluir que, tanto no AT quanto no NT, a Bíblia não oferece apoio amplo, e irrestrito, a este tipo de entendimento.
          Mesmo em textos onde a ação maléfica de Satanás é realçada, a Bíblia deixa claro que a ação é realizada seguindo rigorosamente um roteiro definido por Deus, sob seu total domínio, com um propósito previamente determinado, cujo foco é a produção de uma situação que possa ser usada em benefício de alguém, inclusive daqueles sobre os quais a ação foi desencadeada. 
        Como maiores exemplos desta conjuntura pode-se citar o "ataque a Jó", a "tentação de Jesus no deserto", o "cirandamento de Pedro", e a "traição de Judas".    
Examinemos cada um dos fatos:

1- [JÓ]           
        Conforme o relato bíblico, primeiramente Deus permite a  Satanás tocar em todos os pertences de Jó, mas com uma ordem limitativa: "Somente contra ele não estendas a mão"!
          Já de uma segunda vez, Deus dá permissão para que Satanás estenda a mão sobre Jó, mas novamente com uma ordem limitativa: "Somente poupa-lhe a vida"! 
Nas duas ocasiões a ação de Satanás é cruel, impiedosa e destruidora, mas após tanto sofrimento, surpreendentemente, Jó declara que algo de bom lhe havia acontecido: "Eu te conhecia só de ouvir, mas agora, meus olhos te veem, e por isso, retrato-me e faço penitência no pó e na cinza" ( 42. 5,6).
Também não se pode esquecer o relato bíblico onde é dito que, Deus abençoou a Jó pelo fim de sua vida, mais do que no princípio.

2 - [TENTAÇÃO DE JESUS NO DESERTO]
                                                        Em alguns filmes, e também vários pregadores ao dirigirem seu foco a este acontecimento, colocam Jesus no deserto e o diabo indo ao seu encontro a fim de tentá-lo. Desta forma omitem ou desconsideram a afirmativa bíblica de que após ser batizado por João Batista no Jordão, Jesus foi "conduzido" pelo Espírito Santo para ser tentado pelo diabo, ou seja, não foi uma ação fortuita de Satanás, era uma  situação previamente planejada. Primeiro Jesus foi até João para ser batizado, e quando saiu do rio onde recebera o batismo, Deus se valendo desta ocasião, declarou com voz celestial a verdadeira identidade de Jesus: "Este é o meu filho amado, em quem me comprazo", e então o Espírito preparou as circunstâncias permitindo a Satanás testar a compreensão que Jesus tinha desta filiação. 
          O Manual Bíblico Vida Nova faz um comentário bem interessante sobre este texto: "Será que Jesus usaria seu poder e posição elevada para engrandecer a si mesmo, ou para fins militares, ou para fins políticos? Será que mostraria ser apenas um possível líder que libertaria os judeus do poder de Roma? Ou será que Ele trilharia o caminho do Servo sofredor, em direção à cruz? 
           As três tentações narradas por Mateus em 4.1-11 representam as grandes categorias das tentações humanas, que o apóstolo João mais tarde denominaria, "a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos, e a soberba da vida" [1João 2.16]. Jesus permaneceu fiel nos pontos em que Adão, a nação de Israel, e na verdade, toda a humanidade haviam anteriormente falhado. Através da vitória sobre as tentações seu ministério seguiu conforme planejado. Ele continuaria a cumprir as Escrituras."!
Portanto, parece não haver dúvidas sobre o "porquê" e "para quê", das tentações, assim como do controle de Deus sobre todos os detalhes da execução, e do benefício proporcionado por elas.

3 - [O CIRANDAMENTO DE PEDRO]
                                                    A negação de Pedro é um fato bastante comentado no meio cristão, porém a motivação, a razão e a forma como se originou a tentação para que a negação acontecesse, nem sempre recebe a atenção devida. Conforme o relato de Lucas no capítulo 22.31, Jesus disse a Pedro: "Simão, Simão, eis que Satanás  vos pediu para vos peneirar como trigo, eu porém roguei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça, e tu quando te converteres fortalece teus irmãos."  
                         O "peneirar ou cirandar" dito por Jesus tinha como base o oráculo de Yahweh em Amós [9,9]: "Porque eis que eu mesmo ordenarei e sacudirei a casa de Israel entre todas as nações, como se sacode com a peneira, sem que caia um grão por terra", ou seja, a peneira retém os grãos (os justos) enquanto a palha é eliminada, forma também aplicada no caso de Jó. 
Após o cirandamento ou peneiramento, algo altamente doloroso, aquele que é de Deus volta-se inteiramente para Ele, e Nele passa a depositar toda a confiança. 
Pelo relato dos quatro evangelhos somos informados de que Pedro ao ser tentado fez exatamente aquilo que antes dissera jamais fazer, ou seja, o medo e a falta de confiança o fizeram fugir do cumprimento da promessa, de que estava pronto para ir com Jesus, tanto para a prisão quanto para a morte. Também é relatado pelos quatro evangelhos que Pedro ao se dar conta de seu ato, chorou amargamente, mas ao ouvir sobre a notícia da ressurreição de Jesus foi o primeiro a correr e chegar ao sepulcro. No evangelho de João há ainda a narrativa de Pedro declarando por três vezes, verdadeiramente seu amor a Jesus. 
Portanto, Pedro foi tentado, teve sobre si a ação maligna de Satanás, mas a consequência foi sua conversão, e o fortalecimento que lhe deu condições de ser o líder do apostolado.

4 - [A TRAIÇÃO DE JUDAS] 
                                               No  Evangelho de João se encontra talvez a mais compreensível das narrativas sobre a ação de Satanás em Judas no episódio da traição a Jesus. 
Uma ação cujo roteiro foi meticulosamente traçado, e cuja execução foi milimetricamente controlada. 
Os evangelhos sinóticos ao se referir sobre Judas na escolha dos doze apóstolos o fazem citando apenas uma frase: "Que foi quem o traiu". 
            Já no evangelho de João em 6.67 a 71, Jesus explica a escolha desta forma : "Perguntou então Jesus aos doze: Quereis vós também retirar-vos. Respondeu-lhe Simão Pedro: Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna, e nós já temos crido; e bem sabemos que tu és o Santo de Deus. Disse-lhes Jesus: Não vos escolhi a vós, os doze? Contudo um de vós é diabo. Referia-se Ele a Judas, filho de Simão Iscariotes, porque era ele o que o havia de entregar, mesmo sendo um dos doze"!  
Portanto, a narrativa não deixa dúvidas sobre o motivo da escolha de Judas, e não se pode dizer que a escolha tenha sido feita pela presciência, porque a ação acontece dentro de um espaço de tempo previamente estipulado. 
No capítulo 13 do evangelho de João a narrativa Bíblia diz: "Enquanto ceavam, tendo já o Diabo posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, que o traísse, Jesus sabendo que o Pai lhe entregara tudo nas mãos, e que viera D'Ele e para Ele voltava, levantou-se da ceia, tirou o manto e, tomando uma toalha, cingiu-se. Deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhes com a toalha com a qual estava cingido", e depois, de lhes ter lavado os pés, voltou a mesa e explicou-lhes o porquê de sua atitude, dizendo:
"Se sabeis estas coisas, bem aventurados sois se a praticardes. Não falo a respeito de todos vós, pois conheço aqueles que escolhi; é antes para que se cumpra a Escritura: Aquele que come do meu pão levantou contra mim seu calcanhar. [Sl 41.9]. Desde já vos digo, antes que aconteça, para que, quando acontecer, creiais que EU SOU! 
             Então finalmente Ele anuncia que um deles o iria trair, e quando é interpelado sobre quem seria o traidor, não só o indica com o gesto de compartilhar o "pão", mostrando o cumprimento da Escritura, como espera a entrada de Satanás em Judas para então lhe ordenar: 
" O que pretendes fazer, faze-o depressa."  
Espera a saída do traidor e exclama: "Agora, foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele."
      Por estes relatos citados e também pela complementação em João 17.12: "Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, que me deste, e protegi-os, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura", nos é fornecida todas as informações necessárias para o perfeito entendimento de que havia um propósito pré-determinado, que todos os acontecimentos se deram no sentido da realização deste propósito, e com uma única finalidade: "a de proporcionar a reconciliação de Deus com o homem, ou seja, a maior de todas as bençãos já concedidas por Deus".

CONCLUSÃO:
                          Para finalizar, um texto de Jones F. Mendonça publicado no blog: http://numinosumteologia.blogspot.com.br/

LUTERO: “O DIABO É O DIABO DE DEUS”
Na perspectiva cristã há três personagens no Éden: Deus, o diabo e o ser humano. O humanismo eleva o homem. O dualismo maniqueísta eleva o diabo. A Reforma eleva Deus. É preciso estar atento: quando qualquer um dos três cresce, uma sombra cresce junto.
Se atribuirmos a Deus absoluta soberania (tudo o que ocorre é um desdobramento de seus decretos infalíveis) e o status de sumo bem (nele não há mal algum), o que resta ao diabo e ao humano?
Ora, se em Deus não há mal algum (não possui natureza dual), é preciso colocá-lo na conta do diabo. Mas Deus não é absolutamente soberano? Como o diabo poderia agir fora de seus decretos? 
Os reformadores admitem uma antinomia: tanto o diabo como o homem age de acordo com Seus decretos, todavia são responsáveis pelo mal que praticam.
Com tal solução o diabo torna-se “o diabo de Deus” (frase de Lutero), uma espécie de “capitão-do-mato” dos céus. O homem torna-se um mero ser, cuja vontade é “como um jumento, montada ou por Deus ou pelo diabo” (outra frase do reformador alemão). Deus usa o diabo para uma "obra alheia” (opus alienum), mas que ao mesmo tempo é sua “obra própria” (opus proprium).
Confuso? Voltemos ao Éden:
Enquanto passeavam pelo jardim, homem e mulher cometeram uma infração. Mas a queda, segundo Calvino, já havia sido decretada por Deus. O diabo, travestido de serpente falante, foi um instrumento divino para que este propósito fosse cumprido. Deus é a mão, o diabo a lança, o homem a carne ferida.
A ferida infecciona. Calvino dispara: culpa do homem! Até há remédio, ele diz, mas só para os eleitos.

Goiânia, 02 de maio de 2015.
                                                   Fabio S. Faria.

















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