terça-feira, 3 de março de 2015

A QUARESMA QUE NÃO É PARA O SEU APERFEIÇOAMENTO PESSOAL!




OS QUARENTA DIAS DE JESUS NO DESERTO NÃO VISAVAM UMA  APROXIMAÇÃO PESSOAL DE DEUS!
                                                               
                                                            POR  Kevin P. Emmert 

A cada ano, mais e mais evangélicos parecem estar observando o preceito da Quaresma. Nós já o reconhecemos como um momento de profunda reorientação. Admitimos ser como o hino "Vinde, fonte de mil" apropriadamente coloca: "propensos a vagar." Somos pessoas fracas e pecaminosas que precisam muitas vezes reconsiderar nossas prioridades, motivos e compromissos, e o jejum, que tem tanto precedente histórico e bíblico, é uma ótima maneira de promover esta reorientação.
Na Escritura, vemos que o jejum é um sinal de tristeza em relação ao pecado (Deut. 9: 9, 18; 10:10; Esdras 10: 6), um sinal de arrependimento, e um clamor de ajuda para (1 Sam 7 6) a oração (Esdras 8: 21-23; Atos 13: 2-3). Por isso, a disciplina de abstinência feita no período do jejum é muitas vezes descrita como uma forma de crescimento espiritual  e de se aproximar mais de Deus. O jejum nos leva a reconhecer nossa fraqueza e pecaminosidade, nos torna mais sensível à lembrança de nossa necessidade constante da graça, da força, e da proteção de Deus. 
Quaresma é também um momento de imitar a Cristo e participar de sua vida de formas concreta. Afinal a quaresma é a comemoração dos 40 dias do jejum de Cristo no deserto. Para muitos, é uma jornada espiritual pela qual nos identificamos com Cristo, na esperança de se tornar mais parecido com ele.
Tudo isto parece ser muito bom, mas, muitos se perguntam se este foco excessivo na santidade pessoal é sempre algo saudável. 
Será que não há riscos dele se transformar em uma simples contemplação do próprio umbigo? 
Talvez estejamos perdendo de vista um aspecto vital do significado deste  breve tempo de Cristo no deserto. Se queremos imitar verdadeiramente a Cristo neste breve tempo, e participar realmente de sua vida nesses 40 dias, talvez devesse considerar o jejum para o bem dos outros

Cristo Fiel e Verdadeiro Israel

Pode parecer estranho que Jesus tivesse que jejuar, já que frequentemente o  jejum era considerado um sinal de arrependimento e tristeza pelo pecado. Como  explica Craig Blomberg, geralmente o costume dos judeus ao jejuar era o  "de passar mais tempo em oração e desenvolver uma maior receptividade espiritual." Por que, então, alguém sem pecado, um Jesus divino, já um com o Pai, precisasse da abstenção de comida por tanto tempo?
É possível que Jesus estivesse se preparando para o seu ministério público, afinal, ele havia sido batizado recentemente por João Batista, e são muitos os estudiosos a reconhecer este evento como a "unção de Jesus", ou seja, o momento de sua consagração ao ministério terreno.
Haveria então melhor maneira de iniciar o ministério, que não fosse através da oração e de um tempo um pouco maior de jejum? 
Porém, os 40 dias de Jesus no deserto não era um retiro espiritual. Pelo menos, não do tipo que costumamos imaginar. Os evangelhos de Mateus e de Lucas não diz que Jesus foi para o deserto para ter uma comunhão maior com Deus. 
"Neles está escrito que ele foi para ser tentado pelo diabo" (4: 1). 
Os 40 dias foram muito mais do que um tempo de preparação ministério. Jesus foi conduzido pelo Espírito para estar cabeça a cabeça, com o próprio Satanás. 

Qual foi a razão? Para reviver e resgatar a história de Israel!

A cena lembra as andanças dos israelitas no deserto. Assim como Deus conduziu Israel através do Mar Vermelho, e do deserto por 40 anos para ser testado (Deut. 8: 2), de igual modo o Espírito conduziu Jesus ao deserto, por 40 dias, para ser tentado. 
O Filho de Deus obediente é contrastado com o Israel desobediente, e os paralelos entre essas duas histórias são impressionantes. 
Os israelitas no deserto reclamaram por diversas vezes sobre o alimento, sempre argumentando não ter o suficiente, que sentiam saudades da cozinha do Egito, cujo alimento era preferível (Ex. 16). 
Jesus, no entanto, resistiu à tentação de transformar pedras em pão, quando estava com fome, dizendo: "Está escrito: 'O homem não vive somente de pão, mas de toda palavra que procede da boca de Deus" (Mt 4.4). Em segundo lugar, ao passo que os israelitas constantemente colocaram Deus à prova, duvidando de seu amor e de sua provisão (Ex. 17: 2-7), Jesus recusou-se a testar a Deus quando lhe foi proposto saltar do pináculo do templo. Finalmente, Jesus foi tentado a dobrar o joelho para o Diabo. Não só no deserto, mas, ao longo de todo Antigo Testamento, o assunto predominante é a adoração de Israel a deuses em forma de imagens e objetos criados pelos homens, traindo a aliança com Deus (Ex. 32). Mas Jesus resistiu, dizendo: "Para longe de mim, afasta-te Satanás, pois está escrito: Adore o Senhor, teu Deus, e só a ele servirás. "(Mt 4:10.).
           Respeitando a lei que os próprios israelitas  haviam recebido das mãos de Deus, e por resistir às ciladas do diabo, Jesus se revelou como o verdadeiro representante de Israel a cumprir esta lei. 
Onde eles falharam, ele conseguiu. Onde eles foram infiéis, ele foi fiel.
Não só isso, mas, Jesus também reviveu toda a experiência do homem no jardim do Éden. No jardim, o homem duvidou da palavra de Deus, estendeu a mão para alimento proibido, e o agarrou no desejo de se igualar a Deus. 
No entanto, como N.T Wright diz: "A tentação de Cristo não era uma tentativa de possuir algo proibido a fim de se tornar igual a Deus, mas se fortalecer em sua abdicação dos direitos e prerrogativas divinas, e na opção do cumprimento da missão de anular o poder que levou Adão a se rebelar, e ao mesmo tempo desfazer as consequências desta rebeldia". 
Por 40 dias, Jesus absteve-se de comida, conforto e segurança, e nesta condição venceu as tentações perpetradas pelo diabo recuperando o que a humanidade havia perdido. 
E tudo isso aponta para algo maior: 
                                                      Cristo-Servo para Todos

A verdade é que Cristo não renunciou aos privilégios, nem batalhou pela humanidade por apenas 40 dias. A cena de Jesus no deserto é uma sinédoque de sua encarnação, do início ao final de sua vida. 
[A sinédoque é uma figura de linguagem fundamentada na relação de compreensão, e que consiste no uso do todo pela parte, do plural pelo singular, do gênero pela espécie, etc., vice- versa.Ao tornar-se humano, o Deus Filho colocou de lado certos direitos e privilégios para que pudéssemos nos tornar co-herdeiros com ele. Isso é o que o apóstolo Paulo diz em Filipenses:
[Jesus], subsistindo em forma de Deus, não considerou a igualdade com Deus algo para ser usado em seu próprio benefício; em vez disso, ele se esvaziou assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens, e reconhecido em figura humana. (2: 6-7)
A partir daí, os teólogos desenvolveram uma doutrina conhecida como kenosis, decorrente de um termo grego que significa "esvaziamento". Cristo esvaziou-se, ou "se fez nada", quando ele se tornou homem. Isso não significa que o Filho de  Deus de alguma maneira abandonou seus atributos divinos, como se ele ficasse menos divino do que em sua existência pré-encarnada.
 Tal como Paulo diz em outro lugar: "Em Cristo toda a plenitude da Divindade vive em forma corpórea" (Cl 2: 9). O apóstolo Paulo está dizendo que Cristo se esvaziou, tornando-se um servo, não fazendo uso de sua divindade para o seu próprio benefício. 
E a razão pela qual Jesus assumiu esta servidão, abandonando certos direitos e privilégios, foi para que você e eu pudéssemos receber estes benefícios. 
John Calvin explica este ato de uma forma muito boa:
       "Esta é a maravilhosa troca, que por sua benevolência imensurável ele fez conosco, pois ao descer à terra, ele preparou para nós, uma subida  ao céu; ao assumir a nossa mortalidade, ele nos propiciou sua imortalidade; ao fazer fraco como nós, pelo seu poder fomos fortalecidos; poder; ao se fazer pobre como nós, nos transferiu sua riqueza; ao assumir o peso de nossas iniquidades, aquilo que nos oprimia, ele nos vestiu com sua justiça."
                Isso é uma boa notícia! Toda a vida de Cristo foi vivida em nome de terceiros, na  busca contínua do bem-estar dos outros. O breve tempo de Cristo no deserto é um exemplo crucial do que é nossa realidade.
Portanto, se queremos imitar sua vida no mesmo grau que ele viveu os 40 dias no deserto, precisamos considerar que o jejum deve ser feito em nome de terceiros, para sua benção e benefícios.
Este é exatamente o jejum do qual Isaías nos fala nos fala:
        Não é este o jejum que escolhi: soltar as correntes da injustiça , desfazer as ataduras da servidão, deixar livres os oprimidos e despedaçar todo o jugo? Não é partilhar sua comida com os famintos e recolher em casa os pobres desabrigados e vestires e cobrires o nu, quando o vires, e não se esconder do teu semelhante?  (58: ​​6-7)
Quaresma não é simplesmente separar um tempo para buscar santidade pessoal. Não é um aprendizado sobre como seguir uma vida simples buscando o próprio bem. 
Quaresma também tem uma dimensão social notável, tal como nos diz o pastor e colunista  Chuck Colson: "A Quaresma nos dá a oportunidade de olhar para o próximo com os olhos da caridade", porque "enfatiza a simplicidade para o bem dos outros." 
É muito bom e correto desistir de doces, álcool, TV, enfim de tudo que você queira se abster, mas se essa abstinência refletir no nosso cuidado para os outros, mais do que dar atenção a nós mesmos! 
A sugestão de Colson, é que se deve destinar a economia obtida pelo nosso jejum, aos pobres e marginalizados.
Talvez possamos adaptar tudo isto ao experimento da escritora Jen Hatmaker que em seu livro: " Experiência da revolta contra o excesso" , conta como foi a experiência de sua família ao se organizarem em sete áreas da vida, e como ela permitiu-lhes, não só se concentrar mais em Deus, mas também serem mais generosos com os necessitados.  Se a caridade se tornar uma parte integrante do nosso jejum, então, poderemos nos aproximar e participar com maior profundidade do real significado dos 40 dias de Cristo no deserto.
A cena de Cristo no deserto, e sua encarnação nos ajudam a ver a vida cristã, com um olhar para dentro, e um movimento para fora e para cima. 
A Quaresma nos ensina a olhar para Cristo como nosso único Redentor e fonte de força. Ela nos ensina a olhar para dentro de nós mesmos, a examinar os nossos corações, e entregá-lo a Cristo. Por outro ângulo, Cristo nos ensina a olhar para o próximo em busca da melhor maneira de servi-los; nos ensina a doarmos a vida aos outros, tal como Ele fez por nós.

Kevin P. Emmert é editor on-line assistente para CT. 
Você pode segui-lo no Twitter Kevin_P_Emmert .

PUBLICADO NA REVISTA Christianity Today : fevereiro de 2015.
http://www.christianitytoday.com/ct/2015/february-web-only/

TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO POR: FABIO S. FARIA




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