sábado, 16 de novembro de 2013

MIL ANOS ANTES DE CALVINO: "DEUS ELEGE, ENSINA E ATRAI"



"Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou não o atrair."

É possível que alguém diga:
 "O apóstolo Paulo faz distinção entre a fé e as obras, pois afirma que a graça não procede das obras, mas não diz que não procede da fé".
É verdade, mas Jesus assevera que a fé é obra de Deus e a exige para a prática das boas obras. Disseram-lhe os Judeus: "Que faremos para trabalhar nas obras de Deus? Respondeu-lhes Jesus: A obra de Deus é que acrediteis naquele que Ele enviou." (evangelho de João).
Neste sentido, portanto, o Apóstolo faz distinção entre a fé e as obras, assim como nos dois reinos hebreus se diferencia Judá de Israel, apesar de Judá ser Israel. O apóstolo assegura que o homem se justifica pela fé, e não pelas obras, porque a primeira é concedida em primeiro lugar e, a partir dela alcançamos o restante que é chamado propriamente de obras, mediante as quais se vive a justiça.
São também palavras do apóstolo: "Pela graça fostes salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, mas é dom de Deus. Não vem das obras, diz ele, para que ninguém se encha de orgulho."
Nosso único Mestre e Senhor, depois de ter proferido a sentença mencionada: “A obra de Deus é que acrediteis naquele que Ele enviou”, disse no mesmo discurso: “Eu, porém, afirmo: vós me vedes, mas não acreditais. Todo aquele que o Pai me der vem a mim. Quem é que virá a mim, senão o que acreditar em mim?”  
Mas sua efetivação é concessão do Pai, e isto é o que diz um pouco depois: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou não o atrair."
Está escrito nos profetas: "E todos serão ensinados por Deus". Quem escuta o ensinamento do Pai e dele aprende vem a mim.
 O que significa esta afirmativa senão: “Não há ninguém que escute o ensinamento do Pai e dele aprende que não venha a mim". Pois, se todo aquele que escuta o Pai e dele aprende, vem, consequentemente todo aquele que não vem, não ouviu o Pai, nem dele aprendeu, pois se tivesse ouvido e aprendido viria.
 E nenhum que escutou a aprendeu deixou de vir, mas diz a Verdade:
"vem quem escuta o ensinamento do Pai e dele aprende, ou seja, Deus possui uma graça que nenhum coração pode recusar, mas esta graça Ele a doa a quem o ouve".
É muito estranha, aos sentidos corporais esta escola em que Deus é ouvido e ensina. Vemos muitos vir ao Filho, vemos muitos crer em Cristo, mas não vemos como e onde ouviram isto do Pai e aprenderam.
 Esta graça é deveras secreta, mas quem duvida que seja uma graça? Com efeito, esta graça conferida ocultamente aos corações humanos pela liberalidade, não é recusada por nenhum coração por mais endurecido que seja, pois é conferida para primeiramente destruir a dureza do coração.
Portanto, quando o Pai é ouvido interiormente e ensina para que se venha ao Filho retira o coração de pedra e dá um coração de carne , como prometeu pela pregação do profeta. Assim Ele forma os filhos da promessa e os vasos de misericórdia que preparou para a glória.
Portanto, o porquê de não ensinar a todos que venham a Cristo, senão porque todos que ensina, Ele os ensina pela sua misericórdia, e, aqueles os quais não os ensina, não o faz pela sua justiça? Ele faz misericórdia a quem quer, e endurece a quem ele quer.
Contudo, de certo modo o Pai ensina a todos a vir a seu Filho. Não é sem razão que está escrito nos profetas: "quem escuta o ensinamento do Pai e dele aprende vem a mim". Assim como, ao nos referir a um único professor de letras da cidade, corretamente dizemos: ELE ENSINA A TODOS A LITERATURA, não porque todos recebem dele o ensinamento, mas porque toda pessoa que nesta cidade aprender literatura, certamente só poderá aprender com ele.
 Da mesma forma, nós dizemos com exatidão que "Deus ensina todos a vir a Cristo", não porque todos venham, mas porque ninguém vem de outro modo.
A razão pela qual não ensina a todos, o Apóstolo declarou à medida que julgou suficiente, porque, 'querendo manifestar sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos da ira, prontos para a perdição a fim de que fosse conhecida a riqueza de sua glória para os vasos de misericórdia, preparados para a glória'. Por isso, 'a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se salvam, para nós, é poder'.
A estes todos Deus ensina virem a Cristo, pois a todos estes quer que se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Se quisesse ensinar também vir a Cristo àqueles para os quais a linguagem da cruz é loucura, sem dúvidas eles viriam.
Ser atraído pelo Pai a Cristo e ouvir o Pai, e dele aprender para vir a Cristo, é o mesmo que receber do Pai o dom para crer em Cristo, pois não distinguiu os que ouvem o evangelho dos que não o ouvem, mas os que creem dos que não creem aquele que dizia: "Ninguém pode vir a mim, se isto não lhes for concedido pelo Pai".
Assim, pois, tanto a fé inicial como a perfeita são dons de Deus. E quem não quiser contradizer aos evidentes testemunhos das Letras Sagradas, não duvide que este dom seja concedido a uns, e não concedidos a outros. O motivo pelo qual não é concedido a todos, não deve inquietar aquele que crê que todos incorrem na condenação: “por um só homem”, uma condenação muito justa, de sorte que nenhuma reprovação contra Deus seria justa, mesmo que ninguém alcançasse a libertação.
 Fica evidente que é uma grande graça o fato de muitos se libertarem. Eles percebem, nos que não são libertados o que lhes era devido. 
"São muitos que ouvem a palavra da verdade, mas uns creem,outros a contradizem. Os primeiros querem crer, ao passo que os segundos não o querem".
Quem ignora este fato?
Mas como naqueles a vontade é preparada pelo Senhor, o que não acontece com os segundos, é preciso distinguir o que vem de sua misericórdia e o que vem da sua justiça.
Consequentemente, aquele que se gloria, glorie-se no Senhor, e não em seus merecimentos, que bem sabe serem iguais aos dos condenados. 
A razão pela qual este é libertado de preferência àquele, tenha-se em conta que insondáveis são seus juízos e impenetráveis seus caminhos!

LIVRO: A PREDESTINAÇÃO DOS SANTOS DE SANTO AGOSTINHO
RESUMO DOS CAPÍTULOS: VI, VII, E VIII.
COLEÇÃO PATRÍSTICA: A GRAÇA II, EDITORA PAULUS. 



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sábado, 9 de novembro de 2013

MIL ANOS ANTES DE CALVINO: A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO
















MIL E SEISCENTOS ANOS DE DISCUSSÃO!

Nestes últimos anos a controvérsia teológica entre Calvinistas e Arminianos se acirrou de uma maneira tão deprimente, que existem momentos onde o sentimento demonstrado dá a impressão de estarmos assistindo ao conflito entre as famílias Hartfield's e Mac Coys, tal é o nível das ofensas, e dos ataques desferidos. Este embate acontece principalmente entre os "neos" de ambas as partes, e pelas declarações, a impressão captada é que a maioria não conhece devidamente os porquês, assim como a historia real dos fatos, a origem da doutrina da predestinação, e os primeiros embates.
 O foco deste artigo, e dos outros que serão publicados posteriormente, - sob o título de MIL ANOS ANTES DE CALVINO - é lembrar aos "arminianos", que Calvino não tem nada a ver com esta briga, não merecendo, portanto ser o alvo da vossa poderosa artilharia, e lembrar aos "calvinistas" que não pertence a Calvino a patente da criação da doutrina, não havendo, portanto motivo para a jactância que lhes tem sido peculiar.

A PREDESTINAÇÃO DOS SANTOS
Tanto "A Predestinação dos Santos", como "O Dom da Perseverança" pertencem ao rol dos últimos escritos de Agostinho. Os dois tratados foram redigidos após 429, ano em que escreveu as "Retratações".
Em Predestinação dos Santos, Agostinho defende a verdade da predestinação e da graça contra os semipelagianos, pois, estes sustentavam que o princípio da fé se deve ao próprio crente, e os outros dons eram consequências deste mérito precedente. Agostinho tenta desconstruir o discurso semipelagiano demonstrando que os dons posteriores são dados gratuitamente por Deus, assim como também o início da Fé. Até o ano 397, Agostinho não entendia como necessário uma graça interior no apelo à salvação, porém ele confessou que corrigiu esta concepção, sobretudo, a partir do testemunho de Paulo: "Que tendes que não tenhais recebido?".
Naquela época, a maior parte dos padres teólogos se inclinava a ligar o batismo com a perseverança final, de modo que todos os cristãos possuíam a certeza da salvação. A exceção eram os heréticos, os dissidentes e os apóstatas. Devido a este entendimento, Agostinho em suas homílias e em vários tratados apresenta a ideia de que um cristão possa não alcançar a salvação. Desta forma, ele uniu o problema da predestinação ao da perseverança final. Em consequência do pecado original, a humanidade foi consignada à condenação, mas Deus, desta massa de perdição salva aqueles que Ele destinou à salvação, e estes serão salvos infalivelmente. A quantidade dos eleitos foi fixada desde a eternidade, com Deus rejeitando positivamente os outros. Ele permite que, em vista dos pecados estas pessoas rejeitadas se entreguem livremente à danação.
Ao rever sua posição anterior - quando pensava como os semipelagianos - Agostinho passa a atribuir à onipotência da graça divina a exclusiva e primeira iniciativa da salvação. Por este juízo, o homem não está em condições de querer nada, a menos que Deus assista nele este querer: o ser bom, ou o ser mau!  Fé e incredulidade, o bem estar extremo e condenação são remetidos à vontade divina de tal modo que, por motivo da não condição de indecifrabilidade da eleição divina por graça, são salvos somente os eleitos tirados da massa da perdição, enquanto outros homens por causa da permissividade de Deus perdem-se eternamente. Eles não são objetos de injustiça de Deus, porque nenhum homem após o pecado tem direito à salvação.
Através destas afirmações, Agostinho ensina uma vontade de Deus salvífica limitada, e diz que se deve ter por firme que Deus é absolutamente justo, mesmo que não se possa ter uma explicação possível desta justiça. Após o ano de 421, Agostinho ensinou que Deus destinou à salvação apenas aqueles que efetivamente alcançam a salvação, enquanto os outros são predestinados ao eterno aniquilamento.
É importante saber que Agostinho jamais mencionou a doutrina segundo a qual "Deus quer que todos os homens se salvem". [1 Tm 2,4.]

CONSEQUENCIAS DA DOUTRINA DE AGOSTINHO NA HISTÓRIA DA IGREJA:
Desde o início a doutrina agostiniana enfrentou oposição já que era contrária ao pensamento dominante da salvação universal. Embora, a doutrina da predestinação houvesse sido aceita pela igreja ocidental, rapidamente se tornou uma fonte de desentendimentos.
No século IX o monge Godescalco (Gottzchalk) do mosteiro de Fulga suscitou uma nova controvérsia, e nesta foram envolvidos os sínodos de Mongúncia em 848 e de Quiercy em 849. Os dois sínodos condenaram a doutrina proposta por Godescalco, que defendia uma dupla predestinação: tanto a salvação quanto condenação são determinadas para cada pessoa desde o nascimento, não havendo por parte de Deus qualquer vontade de salvação universal.
<<<< para muitos a doutrina de Godescalco foi a inspiração para o supralapsarismo de Teodoro de Beza >>>.
No ano de 860 o sínodo de Toucy na Lorena tentou encerar o debate sobre a predestinação afirmando que se devia ensinar que há uma vontade de salvação universal em Deus, e uma redenção que atinge todos os homens.
No período após o concílio de Trento duas escolas teológicas tiveram um embate sobre a predestinação. Enquanto a escola molinista realçava a liberdade do homem considerando que a predestinação dos adultos à vida eterna seguia a previsão dos méritos, a escola de Bañez destacava a gratuidade absoluta da predestinação, à glória e a eficácia intrínseca da graça.
No século XVI o foco recaiu sobre os reformadores Lutero e Calvino. Os dois seguindo Agostinho afirmaram e defenderam a posição de que uns são eleitos, e, outros rejeitados desde a eternidade.
Neste mesmo período no lado católico surgiu na Bélgica, Cornélio Jansens, professor de teologia em Lovaina, e mais tarde bispo em Ypres. Ele não concordava que a doutrina de muitos escolásticos de renome estivesse tão afastada daquela de Agostinho sobre pontos capitais como a graça e o livre arbítrio. Por isso tentou desenvolver a fundo as idéias de Agostinho escrevendo até a véspera de sua morte a obra AUGUSTINUS.
Os principais pontos defendidos são:
 1- a natureza humana depois do pecado original ficou inteiramente despojada da graça tornando impossível ao homem observar todos os mandamentos divinos.
2- O pecado original tirou a liberdade de querer, e tornou o homem incapaz de qualquer bem, inclinando-o necessariamente ao mal.
3-Cristo ofereceu aos homens a graça da salvação, mas não morreu por todos, e sim para uns poucos eleitos. 
4-A predestinação é, pois, gratuita, e precede a qualquer ato de nossa vontade. 
5- O verdadeiro bem deriva, portanto da graça eficaz que Deus concede aos predestinados. 
6- A graça de Deus é irresistível, mesmo à natureza humana totalmente corrompida.

Estas proposições ou afirmações negavam a vontade salvífica, operante e universal de Deus, e por esta causa foram condenadas em 1653 pelo papa Inocêncio X.
 Conclusão:
Se analisarmos sem paixões, sem venerações, a historia da teologia cristã nos últimos 1600 anos, não será difícil concluir que a doutrina da predestinação sempre esteve presente no cardápio principal, e que sempre houve controvérsias. Uns acrescentaram, outros suprimiram alguns pontos, mas o esqueleto é o mesmo formulado pelo bispo de Hipona no final do século IV, e início do século V.
Diante destes fatos também se pode afirmar que ninguém precisa ser “calvinista” para aceitar a predestinação, ou ser “arminiano” para não aceitá-la.
Em meu parco e reles entendimento creio que Deus em sua soberania salva, justifica e glorifica os que elegeu, independente de serem devotos de Calvino ou de Armínio.

“Quando existem ciumeiras e brigas entre vocês, será que isso não prova que vocês são pessoas deste mundo e fazem o que todos fazem? Quando alguém diz: EU SOU DE..., e outro: EU SOU..., será que assim não estão agindo como pessoas deste mundo?”

Bibliografia:
- Teologia Sistemática Histórica e Filosófica de Alister McGrath
- A GRAÇA (II) << A predestinação dos santos: Santo Agostinho >> - Coleção Patrística



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